Troco uma dúzia de amantes por um único amor

Troco uma dúzia de amantes por um único amor

“Quem já não desejou possuir um ser humano só para si?” Clarice Lispector, sempre certeira, adivinhou o meu pensamento mais íntimo. Dia desses eu li um texto que citava essa frase e me peguei fantasiando sobre a remota possibilidade de ter uma pessoa só para mim. Divaguei, no papel autoritário, sobre um fiel que cumprisse as minhas vontades mais escabrosas e descabidas, e até mesmo as tarefas mais descomplicadas, como me fazer massagem nos pés, coçar as costas e estender a roupa no varal.

Quem já não sonhou em ter alguém que realizasse todos os seus prazeres? Imagino como seria ter um escravo de amor que obedecesse às leis de um romance inventado por mim, que comigo protagonizasse as mais incríveis cenas profanas, que não me castrasse os impulsos nem me regulasse a libido. Um devoto a mim e à minha maneira de ser e querer do meu jeito, mesmo quando eu não quisesse ser nada, senão eu mesma e a minha mesmice.

Quem já não pensou em ter alguém que tomasse conta da parte chata da vida? Que resolvesse os problemas num piscar de olhos, que cuidasse da casa, dos filhos, das contas, da revisão do carro, da reforma, do chefe, da pilha de roupas para passar. Queria ser dona de um ser humano que me fizesse todas as vontades. Admito. Que me livrasse do almoço de domingo, do supermercado no fim do mês e da reunião na segunda-feira pela manhã. Exigiria brigadeiro de colher todos os dias, sair para jantar num restaurante italiano no meio da semana e terminar a noite dançando agarradinho e ouvindo John Mayer.

Mas eu sei. Ter um ser humano só para mim não significa ter um robô que realize todos os meus desejos. Isso seria moleza para qualquer coreano bom de robótica. Difícil mesmo é ter alguém que seja nosso por livre arbítrio, por inteiro e por tempo integral.

Quem já não desejou possuir um coração só para si? Eu mesma trocaria uma dúzia de amantes por um único amor. E que o amor não fosse só meu, e sim nosso. Mas eu sou eu, você é você, o coreano é de exatas e a Clarice é de humanas. Eu sei que enquanto o coreano não conhecer as ideias de Clarice, nada feito para mim. Até que a sorte promova esse encontro, eu vou sonhando com a ideia de um amante, um secretário e um romance…

Karen Curi

é jornalista.