Novo filme da Netflix vai acalmar sua alma e tocar cada pedacinho do seu coração Divulgação / Netflix

Novo filme da Netflix vai acalmar sua alma e tocar cada pedacinho do seu coração

Não deixa de ser uma tragédia que, há 21 anos, indivíduos em situação de rua sejam recrutados para um torneio internacional de que quase ninguém, sequer o mais apaixonado fã do esporte bretão, toma conhecimento. Observado este detalhe, “Jogo Bonito” é uma história inspiradora sobre temperança, destemor e a eterna capacidade do homem de reinventar-se e buscar alívio para seus tormentos. A diretora Thea Sharrock encontra o tom perfeito para narrar um conto de fadas diferente, atual e protagonizado por marmanjos, em que a bola é o talismã capaz de abrir a porta de universos mágicos a quem conta apenas consigo mesma, embora sempre termine por achar seu guia.

Aos poucos, Sharrock revela minudências em torno da Copa do Mundo dos Sem-Abrigo, que desde 2003 reúne cerca de setenta países e 1,2 milhão de atletas — o que, de novo, causa espécie. O roteiro de Frank Cottrell Boyce vai num crescendo até que os muitos personagens e seus tantos conflitos estejam satisfatoriamente apresentados, e então nos atira um rol de cenas nas quais a técnica e o apuro da beleza congregam-se em nome do sentimento.

Fazer o bem deveria ser a única escolha diante da obviedade de se viver tão perto de alguém cheio de carências. Todavia, como nada é perfeito, gestos de caridade começam a ser encarados como uma manobra de autopromoção, o que envenena um tanto a relação de quem doa e quem recebe, que só resiste porque verdadeira — e sustentada pelo dinheiro de filantropos cuja identidade permanece secreta.

Aos poucos, como se fossem membros de um mesmo organismo, essas partes tornam-se ainda mais ajustadas, compondo um todo inquebrantável, que medra, toma conta das mentes e dos corações, feito se o mundo estivesse sendo, enfim, submetido às transformações de que tanto precisa. O mundo é muita gente, e leva algum tempo até que todos nos convençamos de que somos mesmo uma grande família, ligada por um elo incorpóreo e forte demais para se romper só porque um ou outro ressentido assim o deseja.

Mal já teve seus dias de glória; entretanto, segue de queixo para cima ao treinar a seleção de sem-teto da Inglaterra (uma imagem que custo a elaborar aqui com os meus botões, confesso). A diretora faz com que seu filme oscile junto com a aparente disputa de liderança de Mal, na pele de um Bill Nighy surpreendentemente perturbador naquela sua serenidade enganosa, e Vinny, o garoto-problema vivido por Micheal Ward. Os dois têm trajetórias de sofrimento, cada qual a seu modo, claro — assim como as figuras que os circundam — e cativa o expediente usado por Sharrock funde as duas vidas, manobra que explica lançando mão de um MacGuffin no desfecho.


Filme: Jogo Bonito
Direção: Thea Sharrock
Ano: 2024
Gêneros: Drama
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.