Thriller naturalista baseado em obra literária que vendeu mais de 20 milhões de cópias está no  Prime Video Philippe Bossé / Lionsgate

Thriller naturalista baseado em obra literária que vendeu mais de 20 milhões de cópias está no Prime Video

Charcos têm um apelo lírico para certos diretores. Ao menos é o que se depreende de “A Filha do Rei do Pântano”, no Prime Video, no qual Neil Burger insere personagens cercados pela paisagem lodacenta que sugere um atraso muito maior do que a imagem permite-nos alcançar. A família aparentemente feliz que protagoniza o thriller de Burger engana o público até que as máscaras comecem a cair, da mesma forma que acontece nos palacetes de capa de revista no mundo todo.

O roteiro de Karen Dionne e Elle e Mark Smith, adaptação do livro homônimo de Dionne, publicado em 2017, está a todo momento querendo levar o espectador por um caminho tão instável quanto o terreno em que aqueles tipos humanos pisam, manobra arriscada de que brotam resultados ora louváveis, ora artificiosos. As descobertas de uma mulher sobre o próprio passado concorrem para efeitos devastadores com que ela não pode lidar de imediato, mas que servem-lhe de farol quanto às providências a tomar a fim de reaver sua história e ter uma chance de ter de volta o que julgava perdido para sempre.

Já houve um tempo em que ser mulher era uma batalha de todo santo dia. Ter o respeito da própria família, dos amigos, da comunidade, do Estado passava por fazer tudo quanto os homens mandavam, primeiro o pai e os irmãos, depois os professores e quando se concluíam os anos de estudo destinados a seu gênero, casar-se com o marido que escolheram para ela, o homem a quem teria de obedecer para o resto da vida, seu senhor e seu dono, a quem deveria prestar contas até de seus sonhos mais obscuros.

É por essa senda que Burger se atira com algum desespero, mostrando-nos a pobreza romântica de Helena Pelletier, a menina doce e sonhadora vivida por Brooklyn Prince, que não demora a se tornar uma mulher angustiada, como se nunca se cansasse de esperar pelo milagre que a faria saber com todos os detalhes mais sórdidos por que, afinal, teve de passar tanta necessidade. A anti-heroína de Prince, interpretada por Daisy Ridley na fase adulta, é estranhamente parecida com Kya, A Menina do Brejo de “Um Lugar Bem Longe Daqui”, a adaptação de Olivia Newman para “Where the Crawdads Sing”, o romance da americana Delia Owens, publicado em 2018 e traduzido com o mesmo título que o filme, um grito de socorro de um espírito igualmente atormentado.

Os roteiristas trocam a área mais agreste da Barkley Cove, cercada apenas pela vegetação densa e pelo rio North Toe, na Carolina do Norte, pelas áreas alagadas da Península Superior de Michigan, mas mantêm a figura diabólica de um pai violento, de quem a família tenta a todo custo fugir. Os conflitos materializados pela garota e Jacob, o pai antes insuspeito de Ben Mendelsohn, lembram o suplício de Kya no filme de Newman, e ainda que Mendelsohn se saia bem, seu desempenho fica muito aquém da performance de Garret Dillahunt.


Filme: A Filha do Rei do Pântano
Direção: Neil Burger
Ano: 2023
Gêneros: Thriller/Suspense
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.