“Por que a felicidade passa tão rápido? Por que parece ser sempre uma procura por algo do qual só sentimos ora o resquício do gosto, ora o prenúncio do cheiro? E quando enfim ela vem — breve e apressada — ainda acabamos por azedá-la na ciência de perdê-la?”. Há alguns meses meu celular informava a resposta de um amigo a um e-mail que eu havia escrito dias antes, em uma tarde ensolarada. Frequentemente, entre relatos de como ia a vida e lembranças de momentos preciosos, confessávamos nossas inquietações um ao outro em conversas construídas com pequenos desabafos e grandes aprendizados. Nessa ocasião, elegemos como tema o tão frequente (e pouco conclusivo) questionamento sobre o que é felicidade. Com a frase que inicia este texto, meu amigo lançava a provocação que eu precisava ouvir.
Eu havia assistido ao documentário “Happy”. Nele, clichês aliados a bons recursos técnicos e testemunhos emocionantes apresentavam a felicidade como algo intrínseco. O riso solto do indiano extremamente pobre porém grato pela relação de afeto com a família, a comunidade japonesa que escolheu a cooperação como prioridade e o surfista brasileiro que encontrou no mar a tranquilidade que buscava ditavam o tom da mensagem central: apesar do peso de nossas individualidades na maneira de vermos e sentirmos o mundo, há alguns elementos universais, como gratidão, compaixão e contato com a natureza, eficazes na tarefa de estruturar o trajeto para uma vida feliz.
Descrevi ao meu amigo a admiração que senti por aquelas pessoas do filme. Disse que inúmeras vezes me percebia incomparavelmente feliz, outras tantas incessantemente empenhada na procura por algo maior e mais emocionante do que a realidade presente. Perguntei a ele (e a mim) como ser merecedora, portanto, da tão sonhada sensação contínua de festa e paz. Como ser digna da felicidade sólida que não escorre pelas mãos diante do persistente embate entre falhas e acertos? A resposta veio rasgando enganos, corrigindo a ilusão infantil de que felicidade nunca racha e enterrando a pretensão mimada de que basta merecer para tê-la. Em um versinho gracioso em alemão ele disse: “Glück und glas, Wie leicht bricht das! — Felicidade e Vidro, como se quebram fácil”. E emendou: “Felicidade não tem a ver com merecimento. É obrigação. É uma dívida que eu tenho com a vida e comigo mesmo. É o tributo que pago por estar vivo, por ter tudo que tenho, por ter todas as condições. Não é sair para um passeio no parque, é se alistar para a guerra. Eu tenho o dever de ser feliz, porque se eu não for, qual será a minha utilidade real para o mundo? O que o mundo vai fazer com mais um infeliz procurando por algo que julga merecer como prêmio? Não mereço ser feliz. Tenho a obrigação moral de ser. E, ao pensar assim, tenho sido. Porque, afinal, a vida merece isso de mim”.
Todos os dias, em cada canto do mundo, alguém espera ser recompensado pela batalha diária, pela bondade, pelas boas intenções. Mas como disse meu amigo, ser feliz não é troféu por mérito, é comprometimento. É recusar afundar miseravelmente a própria história em lamentos e dores. É esperar menos dos céus e mais de si mesmo. Nas salas de aula dos cursos de filosofia e nas capas dos livros de autoajuda, do alto da torre Eiffel ou embaixo do viaduto do Chá, nos vídeos motivacionais do YouTube e nas rodas de amigos está lá, batendo ponto, o desejo de encontrar a fórmula mágica para transformar em contentamento as agruras diárias. E, no afã de ter mais adrenalina que cansaço, na esperança de eternizar prazeres e aniquilar tristezas, perdemos tempo na espera, gastamos vida na procura. Ser feliz não é direito. É atribuição. E só assim, determinados a protagonizar o próprio destino e tomar as rédeas do caminho, podemos ressignificar frustrações. Felicidade será sempre vidro. Mas, à medida que honramos o que somos e o que temos, pode ser vidro blindado.