Quantas vezes não ouvimos que a família é tudo, que são as pessoas mais importantes e as únicas com quem poderemos contar durante a vida? Muito da cultura e das convenções sociais tentam nos convencer de que devemos nossa lealdade aos nossos pais, talvez até nossa vida. De que devemos honrá-los e respeitá-los eternamente. A verdade é que tudo isso não passa de baboseira. Alguns podem até contar com o amor incondicional dos pais, mas nem todos os pais e mães são tão bons e merecedores de toda a devoção dos filhos. Um filho não deve nada aos pais. Dá-los o essencial não os prende a uma obrigação de gratidão eterna. É o mínimo.
O assunto é tão sensível que é tema do filme “Uma História em Montana”. Um drama comovente e doloroso escrito e dirigido pela dupla Scott McGehee e David Siegel. O filme gira em torno de dois irmãos, Erin (Haley Lu Richardson) e Cal (Owen Teague), que se reencontram depois de sete anos afastados. O pai deles, Wade (Rob Story), teve um derrame e agora está em estado vegetativo em cima de uma cama hospitalar no escritório da casa da família, em um rancho em Montana. Erin é cozinheira em um restaurante, enquanto Cal estuda para ser engenheiro. Erin retorna porque Valentina (Kimberly Guerrero), uma funcionária do rancho, a telefonou contando sobre o estado de saúde do pai.
Erin não sabe exatamente o motivo, mas precisa ver o homem que a fez deixar sua casa uma última vez antes dele morrer. Aos poucos, o longa-metragem de McGehee e Siegel vai revelando os dramas e traumas familiares que afastaram os integrantes desta família triste de Montana. Wade é cuidado pelo bondoso e bem-humorado Ace (Gilbert Owuor), que traz uma certa leveza ao ambiente que é a casa onde coisas terríveis aconteceram. Erin odeia o pai, mas também tem um certo desprezo pelo irmão, por quem resiste a uma reconciliação.
Conforme a história se desenrola, descobrimos que Wade era um homem mau, violento, abusivo. Quando Erin foi embora, ele a agrediu, quebrou alguns de seus ossos, e até mesmo assassinou o cavalo que ela amava. Por isso, quando Erin descobre que o senhor T., um antigo cavalo da família, será sacrificado por estar sofrendo de artrose, ela decide levá-lo com ela para que não seja morto. Ela deseja reparar o mal do passado, salvar a vida de outro cavalo do rancho. Erin não precisa perdoar o pai pelo mal que ele lhe fez. Ela também se culpa por sentir pena de vê-lo tão esvaziado e indefeso sobre o leito de morte. Ele não merece nem mesmo isso. No entanto, a relação com o irmão precisa ser consertada, não porque ele merece perdão, mas porque Erin e Cal precisam um do outro. Eles se amam e são tudo que o outro tem.
Neste drama pesado e melancólico, vemos o retrato de uma família não apenas imperfeita, mas doente, quebrada e irreparável. As atuações de Hailey Lu Richardson e Owen Teague são extraordinárias, revelando a dor escondida pelo tempo. “Uma História de Montana”, no Prime Video, é um objeto de análise e reflexão interessante da relação de famílias abusivas, que merece o tempo que lhe é dedicado.
Filme: Uma História em Montana
Direção: Scott McGehee e David Siegel
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 9/10