Indicado ao Bafta, obra-prima sobre solidão e pertencimento acaba de chegar à Netflix Divulgação / Caravan Cinema

Indicado ao Bafta, obra-prima sobre solidão e pertencimento acaba de chegar à Netflix

Gravado nas remotas ilhas de Uist, na Escócia, “Limbo”, do diretor estreante Ben Sharrock, foi um enorme desafio. Primeiro, pelo local ter uma cobertura irregular de internet; segundo, porque as filmagens e a sua estreia, que seria no Festival de Cinema de Cannes, foram prejudicadas pela pandemia de Covid-19, em 2020.

Sherrock escreveu o roteiro em Uist, um local que ele nunca havia pisado antes, embora seja escocês, onde também pode experimentar um tipo de isolamento raro. Fluente em árabe e com licenciatura em política, tendo vivido em Damasco durante a guerra civil em 2011, e trabalhado em campos refugiados na Argélia, tirou de sua vivência a inspiração para o enredo. Segundo ele, assim como no filme, os refugiados tinham um ótimo senso de humor, que era de onde tiravam forças para resistir.

Enquanto as religiões retratam o limbo como um lugar em que as almas são enviadas depois da morte para esperar por seu destino final, o dicionário define o substantivo como um estado de indefinição. “Limbo”, de Ben Sherrock, é sobre um grupo de jovens de diversas origens árabes que foram enviados para um abrigo em Uist enquanto aguardam o governo escocês autorizar ou não asilo.  Eles estão em um estado de indefinição e à espera de seu destino final.

Sob um olhar carinhoso, bem-humorado e humanista, o longa-metragem acompanha este grupo neste local solitário e excêntrico, vivendo um dia de cada vez e embriagados de tédio, discutindo avidamente de se Ross traiu mesmo Rachel, na série “Friends”, ou se eles estavam dando um tempo. Essa discussão superficial é um alívio cômico diante dos reais desafios vividos por estes jovens que deixaram para trás suas famílias em meio à cenários de guerra e caos.

O protagonista é Omar (Amir El-Masry), um jovem músico que fugiu da Síria deixando os pais e o irmão para trás. Com uma angústia muito evidente desenhada em sua face, embora haja também uma certa resignação, Omar sente culpa por ter abandonado a família, com quem ainda se comunica através da única cabine telefônica no meio do nada em Uist. Com a mão engessada, ele está impossibilitado de tocar seu instrumento, um oud (uma espécie de alaúde). Além de não ter nada o que fazer além de esperar pela resposta ao pedido de asilo e sem ter como se expressar artisticamente por causa da mão, ele se sente esvaziado de uma existência.

O tédio só é interrompido quando uma dupla de conselheiros ridículos ensina os requerentes a asilo sobre comportamento e o que é ou não aceitável socialmente na Escócia, enquanto  o grupo assiste indolente.  Com uma fotografia de paleta gelada e que mescla minimalismo com naturalismo, todos os personagens do filme são excêntricos e a atmosfera é surrealista, destacando o fato de que os refugiados, principalmente Omar, se sentem deslocados dentro de uma realidade absurda. Às vezes é assim que o mundo é.

Mas “Limbo”, na Netflix, não é uma comédia. É um drama que transborda sarcasmo. Durante a primeira metade, o humor vence, mas a segunda metade nos lembra de que a vida é uma tragédia. Está sempre cobrando seu preço.


Filme: Limbo
Direção: Ben Sharrock
Ano: 2020
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.