Tesouro do cinema sul-americano, filme na Netflix foi aplaudido no Festival de Toronto Divulgação / AZ Films

Tesouro do cinema sul-americano, filme na Netflix foi aplaudido no Festival de Toronto

Laura Mora Ortega conhece bem o universo dos narcocartéis colombianos. Nascida em Medelín no começo dos anos 1980, a diretora teve o pai, um advogado especialista em direitos humanos, assassinado diante de si quando era adolescente e faz de “Matar Jesus”, na Netflix, o petardo sobre uma questão ainda hoje delicada para as autoridades de seu país. A isca falsa do título escandaliza, mas o alvo de seu filme é a invencível dependência da Colômbia do tráfico de drogas, cocaína sobretudo, um mar de sangue que não raro inunda lares de gente pacata, ideologicamente avessa a experimentações com substâncias ilegais e conscienciosa quanto aos mecanismos que fazem determinados entorpecentes mais populares que outros e o porquê de sempre haver quem venda.

Parece óbvio, mas os lucros assombrosos desse mercado não deixam de ser um acinte às instituições, ainda que, no caso colombiano, as coisas já tenham melhorado um tanto, em especial durante o governo democrático de Álvaro Uribe (2002-2010), que rejeitou negociar com grupos paramilitares, as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) na cabeceira. Junto com o corroteirista Alonso Torres, a diretora concentra-se nos aspectos íntimos de sua própria história, saga que vai tomando ares de um suspense engenhoso à medida que predador e presa se achegam um do outro. 

Paula tem uma rotina como a de muitos estudantes universitários, em suas eternas reuniões acerca de temas os mais diversos regadas nas quais a maconha é presença certa e estimulada. Há um leve burburinho sobre as dificuldades socioeconômicas pelas quais passa a Colômbia, mas a vida para ela parece razoável, graças ao pai, José María, professor de direito da universidade em que ela estuda e conhecido por sua atuação como militante de causas humanistas — o que não o afasta de uma ojeriza natural contra drogas de qualquer espécie. Malgrado tenha pouquíssimo tempo de tela, Camilo Escobar compõe com Natasha Jaramillo uma parceria quase comovente, com o justo equilíbrio entre a amizade de duas pessoas de gerações distintas e o laço de ternura de um pai por sua filha, lembrando Héctor Abad Gómez (1921-1987) e Héctor Joaquín AbadFaciolince, retratados pelo espanhol Fernando Trueba em “A Ausência que Seremos” (2020), mais um retrato do desmantelo institucional na história recente da Colômbia.

Quando o pior acontece, Paula, que estuda fotografia, havia acabado de eternizar aquela que seria a última imagem de seu José María. E por uma ironia das circunstâncias, também é com a ajuda de uma câmera analógica que se lança por toda Medellín à procura do tal Jesus, de Giovanny Rodríguez, que (re)conhece ao néon de um inferninho.


Filme: Matar Jesus
Direção: Laura Mora Ortega
Ano: 2018
Gêneros: Drama/Thriller
Nota: 8/10