Quem vive no passado anda de mãos dadas com a melancolia. Acaba por morar próximo de um vizinho carrasco, cujo nome é o ressentimento. Não há perdão nem à própria história: “aquilo que era vida”, “eu era feliz e não sabia”, “se eu tivesse feito assim, tudo teria sido diferente”. Tortura e sofreguidão, servidos na bandeja dos ressentidos! Entretanto, quem vive no amanhã é amigo próximo da ansiedade. Sempre à espera. Sempre à espreita. E toda essa agitação faz o futuro não chegar. O depois é insuficiente demais, para que, justamente, nunca chegue: “amanhã eu ligo, amanhã eu digo, amanhã me desculpo, amanhã eu consigo, amanhã serei feliz e quem sabe, amanhã eu te amo”. Acho mesmo que andaram bagunçando o tempo no Big Ben de nossas cabeças. Estamos brincando no DeLorean, desorientados, sofrendo os castigos de quem visita demais o passado ou o futuro.
Eu mesma não costumo guardar brigadeiro para o dia seguinte. Não que não faça planos, não queira crescer na vida, comer brigadeiros amanhecidos, essas coisas. Claro que faço planos. Só não acho justo antecipar, nem os procrastinar ao irrealizável. O melhor da festa sempre será a festa. Nem a espera nem a lembrança. Hoje é o dia, o dia é hoje. Seja lá que tipo de joanete aperta o passo, não importa, vamos dançar. Hoje vou ligar para você. Chamá-lo para sair e rir. Vou comprar os ingressos do show do Caetano. Parcelar as passagens, mas, sim, eu vou vê-lo. Para você não esquecer o quanto eu o amo hoje. Hoje, vou abrir aquele vinho empoeirado, pedindo resgate da minha adega. Nesse tempo, vou ler o “Aleph”, de Jorge Luis do Borges, antes que as palavras se embaralhem dentro do livro, rumo ao indecifrável. Hoje, vou amá-lo tanto, até gastar toda sola do meu coração. E amanhã, que será o novo hoje, deixo chegar, bater em mim o dia e reagir ao seu gosto. Quero que o sol me segure na cintura e me convide a ser sua partner. Aquela que segue um passo, depois o outro e depois o outro e depois… E vai adorando aquilo, sabendo que adora. Mas e o depois? Quem sabe verdadeiramente o que vem depois?
Eu era feliz e sabia. Sabia sim. Naquele momento, eu tinha certeza que era o melhor beijo do dia, o lugar onde queria estar, o melhor trabalho que podia oferecer. Eu era feliz e sabia, porque permiti gritar o gol, porque soube que, naquele instante, o pudim da minha mãe era o mais gostoso do mundo. Tão feliz eu era e sabia, porque sabia que aqueles abraços eram feitos de sábado, aqueles sorrisos não mais caberiam noutro dia. Ah, eu não desconfiei que era felicidade, quando apertei as mãos do agora e me dei conta do universo que acontecia à minha volta. Eu estava lá no hoje, por isso, sabia que nada mais se repetiria. Não daquela maneira, com as mesmas pessoas, as mesmas cores, as mesmas palavras. Não com os mesmos olhares, nem as mesmas músicas suspendendo a alegria no ar. Eu estava lá inteirinha, e vi, que eu era toda eu.
Hoje o dia está correndo, mas prefiro andar no meu tempo. Aqui estou, recebendo o dia, sem desconfiar do contentamento e da aprendizagem que o presente me traz. Viver o hoje é ofício dos que se querem verdadeiramente livres. Ainda há tempo de regular os ponteiros para abraçar o presente. É tarde demais? Se for tarde demais, não esquenta não, a gente aproveita a madrugada.