Gostava de frequentar as feiras gastronômicas. Essas feirinhas noturnas, de rua, onde a gente se fartava com espetinhos de gato, pastéis de vento, cerveja gelada e conversa fiada. Tava faminto. Comia com os olhos as pernas de uma mulher desconhecida que tagarelava sem parar segurando uma criança de colo de um lado e um copo de cerveja do outro. Belas panturrilhas tinha a equilibrista. Tive a visão prazerosa interrompida pela chegada súbita de um garotinho que baixou a bermuda e começou a urinar no canteiro imediatamente atrás do monumento, ou melhor, imediatamente atrás da moça.
Imaginei que um incidente estivesse prestes a acontecer. Que aquele guri poderia, de repente, se distrair e, sei lá, errar a pontaria — talento inato dos indivíduos do sexo masculino — e esguichar xixi naquelas pernas esculpidas por Deus em pedras de sabão. Bagre ensaboado, passei a torcer pelo deslize. O jato de urina do moleque era firme; um jorro robusto, barulhento, que afugentava os grilos da relva, ao contrário da maioria dos homens veteranos com suas bexigas frouxas, sofridas, saudosistas e quase sempre tristes.
Restava-me aguardar que os respingos de mijo sucedessem conforme o meu plano, que a mulher se irritasse com o desmazelo do guri, que eu me oferecesse, mui gentilmente, para secar aquele líquido desagradável dos seus estupendos tornozelos leitosos. Uma boa ação quase sempre levava a outra. Era assim que eu raciocinava, iludido, tomado pela distração e pela fantasia. A azia começava a fazer estragos no meu esôfago. Tudo culpa do guacamole. Beberiquei cerveja e procurei manter o foco na ficção. Mente vazia, oficina do diabo. Era isso mesmo, capiroto. Estávamos juntos naquela empreitada.
O guri continuava a regar o jardim com a sua potente mangueirinha, sempre colocando em risco as formidáveis suras da musa anônima. Seria um ato de cavalheirismo da minha parte acudir àquela estranha, oferecendo os meus préstimos para enxugar a lambança infantil se, de fato, ela acontecesse. Poderia, quem sabe, com os devidos cuidados, passar-me pelo pai da criança, encenar uma repreensão contra o pirralho, pedir desculpas à moçoila, postar-me pateticamente a seus pés, de gatão, no gramado, com a devida vênia, para secar a tez suave que exalava ureia.
Por outro lado, se a dita-cuja estivesse acompanhada pelo companheiro ou pela companheira, eu poderia ser hostilizado, quiçá, enxotado como um golpista, surrado feito cão sem dono, por causa do atrevimento. Apesar do risco, eu estava decidido. Passei a torcer pelo deslize do pirralho, para que ele tremesse as mãozinhas e jorrasse gotículas generosas nas pernas da beldade — alguém por aí, com menos de cinquenta anos de idade, sabe o significado da palavra “beldade”? Daí, ela seria prontamente socorrida por mim, um homem gentil, um pai célere, responsável, atento às traquinagens do filhinho. “Crianças são terríveis, a gente não pode se descuidar, sabe como é… Já nos vimos antes em algum lugar, minha cara?!”.
De repente, um sujeito atravessou o meu campo de visão e esbarrou de forma involuntária no menininho fazendo que ele molhasse os próprios pés. “Ei, você, por que não olha por onde anda? Não tá vendo que estou aqui?”, bradou o guri cheio de marra. O homem sumiu na multidão, cambaleando de embriaguez. O pequeno diabinho levantou a bermuda, enxugou nela as mãos e voltou ao playground que a prefeitura tinha montado na praça.
Fiquei inconsolável, com cara de quem perde uma reeleição presidencial. Minha gata chegou com uma porção de perninhas-de-rato ao molho tártaro, ou melhor, com uma porção de asinhas-de-frango ao molho agridoce. Ficou azeda, de repente. Perguntou o que foi que eu tinha perdido nas pernas daquela mulher. Raciocinei mais rápido do que a cloaca de um ganso. Contei sobre o menininho, descrevi a sua micção livre, desavergonhada, sobre o canteiro florido, como se fora eu próprio, um homem ordinário que exercitava, sempre que possível, o estranho e prazeroso hábito de urinar diretamente sobre a terra, sobre a relva, sobre a água, sobre o fogo.
“Tô sabendo…”. Ela engoliu o frango; a história, não. Mulheres são demônios que leem a mente. Fiquei com aquela cena urbana na cabeça e só descansei após colocá-la no papel, ou melhor, após colocá-la no computador e, depois, nas nuvens, que era o lugar propício para onde a cabeça da gente ia sempre que invadida pela inspiração e pela fantasia.