Os dois eram amigos de infância que se reencontraram depois de um longo tempo sem se verem. Gostaram do encontro e a partir desse dia, combinaram um almoço semanal. E levaram a sério o combinado, todas as quartas-feiras se encontravam no mesmo restaurante, já tinham uma mesa cativa. Sobre o que conversavam? Eles não sabiam. O problema é que os dois eram desse tipo de gente que fala sem parar e sem escutar o interlocutor. Então, todas as quartas-feiras, assim que se sentavam na mesa, desandavam a falar, os dois ao mesmo tempo, um sem a menor ideia do que o outro falava. Mas eles nem percebiam, era difícil ter uma chance de poder falar sem parar para um interlocutor, algo que, na idade deles, estava cada vez mais difícil de conseguir.
Então um dia, depois de uns dois anos de encontros, um dos dois amigos teve um problema de saúde que o deixou rouco, praticamente sem voz. Ele pensou em desmarcar o almoço, mas o outro insistiu e ele resolveu que valia a pena ir daquele jeito mesmo. E foi aí que o bicho pegou. O sujeito rouco ficou quieto e teve que escutar o outro falando sem parar. E percebeu que não concordava com nada que era falado, as ideias do sujeito eram o oposto das suas, completamente absurdas. Em um determinado momento ainda esboçou contra-argumentar, mas a garganta não permitiu e só lhe restou ir embora, irritado, deixando o amigo falando sozinho.
Na semana seguinte, já curado, o sujeito ficou na dúvida se deveria ou não encontrar o amigo, afinal as ideias do sujeito eram exatamente as que ele abominava, nem deveriam ser amigos, era o caso de serem inimigos ferrenhos. Mas, depois de pensar, resolveu aparecer. E assim que se sentou na mesa, passou a responder a todos os absurdos que o amigo falou na semana anterior. Mas o outro nem escutou, pois já saiu tagarelando mesmo antes de se sentar. E os dois desandaram a falar sem parar mais uma vez, defendendo as suas ideias. Eles nem sabiam, mas estavam discutindo. E saíram dali felizes, cada um com a certeza de que tinha ganhado a discussão.