A vida acaba, mas como sugere Michihito Fujii no título de seu novo filme, entre quem vai e aqueles que têm a infelicidade de continuar, resta um sentimento incorpóreo a ligá-los por um tempo que ninguém jamais foi capaz de calcular.
“A Saudade que Fica” é uma bela tentativa de Michihito Fujii quanto a suavizar um dos momentos mais difíceis da jornada de todo homem sobre a Terra, que se repete uma, duas, dez vezes, até que chega a sua própria hora de também de submeter-se à indesejada das gentes. Fujii, um dos diretores mais talentosos e competentes do novo cinema japonês, transforma em sofisticada poesia as emoções da morte, dor, mágoa, inconformidade, revolta, com a ressalva de que, aqui, os que acertam suas contas com o destino não completam a travessia, uma vez que têm pendências graves com o lado de cá.
O roteiro de Fujii vai e volta nas situações a envolver quatro defuntos, cada qual dedicando-se a expiar os últimos pecados na intenção de dobrar a resistência divina e merecer, enfim, o paraíso; a que chega por último e abre a história vai percebendo que vencer esse desafio exige-lhe habilidades que não tinha no plano terreno, o que dá à narrativa o tom exato de comicidade absurda que faz toda a diferença.
Minako, uma dona de casa sem maiores ambições, desperta numa praia tomada de escombros. O espectador tem a impressão de que a personagem de Masami Nagasawa sobrevivera a um naufrágio ao termo de uma tempestade violenta, mas à medida que os acontecimentos tomam forma, a angústia que emana de cada um de seus poros aponta para algo mais grave. Ela procura por Ryo, o filho, de quem começa a sentir uma falta descomunal, como se não fosse voltar a vê-lo nunca mais.
Fujii aproveita-se desse gancho para explicar a Minako e à audiência que ela está morta, presa numa dimensão intermediária entre o reino dos vivos e a transcendência, junto com Akira, o jovem rebelde de Kentaro Sakaguchi; Shori, o chefão da Yakuza vivido por Ryusei Yokohama; e Michael, o produtor de cinema a que Lily Franky dá vida.
É justamente pela boca de Michael, que existiu de fato e recebe uma homenagem no epílogo, que Fujii contrapõe a razão exageradamente aflorada da protagonista a seu novo habitat, esclarecendo ainda o porquê do título original, “The Parades”. As almas penadas de Minako, Akira, Shori e Michael são obrigadas a participar de sucessivos desfiles até que as divindades resolvam se estão aptas a subir do limbo para um círculo mais elevado; enquanto isso, cada um desses espíritos atormentados ganha diversas chances de passar a limpo a própria jornada, argumento de que o diretor por seu turno se vale para temperar com cenas leves um tema onde quase todo mundo só enxerga choro e ranger de dentes, exatamente como já fizera em “O Vilarejo” e “Dias Difíceis”, ambos de 2023, nessa ordem.
Filme: A Saudade que Fica
Direção: Michihito Fujii
Ano: 2024
Gêneros: Drama/Fantasia
Nota: 8/10