O amor pela música está presente nas minhas mais remotas lembranças da infância. Minha mãe apreciava cantar em casa os clássicos do cancioneiro nacional, e meu irmão mais velho me introduziu ao rock, especialmente aos Beatles, que naquela época ainda estavam juntos. Sempre tivemos discos em casa. É importante esclarecer que, até o advento do Compact Disc (CD) na década de 1980, nos referíamos aos discos de vinil simplesmente como “discos”. Assim, minha paixão pelos discos complementou meu amor pela música, e desde então, para mim, a música só se completa quando impressa em um meio físico, seja em CD ou em disco de vinil.
Em sua música “Livros”, Caetano Veloso diz: “Os livros são objetos transcendentes, mas podemos amá-los com o amor tátil que dedicamos aos maços de cigarro”.
Quem é bibliófilo entende o que ele quer dizer. É gratificante segurar um livro, folheá-lo, cheirá-lo. Podemos nutrir o mesmo amor pelos discos, pois eles também possuem uma natureza transcendental. Obviamente, o amor principal é auditivo, mas os discos nos oferecem também amor tátil, visual e, no caso de discos de vinil novos, até olfativo. O aroma de um disco de vinil novo é quase tão agradável quanto o de um livro novo.
Hoje em dia, a conveniência proporcionada pelos meios eletrônicos para ouvir música é incontestável. Temos acesso rápido a conteúdos que eram inacessíveis anos atrás, mas essa facilidade resultou na trivialização da apreciação musical. Trata-se da música “fast-food”, baixada hoje e excluída amanhã, frequentemente descontextualizada e que não permite uma apreciação completa, quando presente, de suas qualidades e da visão de seus autores e intérpretes.
Já se passaram quase 150 anos desde que Thomas Edison inventou o fonógrafo de cilindro, em 1877. Foi o início da grande aventura do som gravado. Um marco significativo subsequente ocorreu em 1889, com a introdução do fonógrafo de disco por Emile Berliner, conhecido como Gramofone. Os discos desse período, que giravam a 78 rpm (rotações por minuto) e eram feitos de goma-laca, um material duro e pesado, tinham gravações mecânicas e um espectro limitado de frequências sonoras, o que não impediu a rápida popularização do Gramofone.
A qualidade de reprodução dos discos melhorou significativamente na década de 1920 com a introdução da gravação elétrica e o uso de amplificadores e filtros. No final da década de 1940, os discos passaram a ser fabricados em policloreto de vinila (PVC), ou simplesmente vinil, um material mais leve, flexível e durável que a goma-laca. A adoção do vinil trouxe outro benefício importante: uma maior capacidade de armazenamento de som, pois os discos passaram a girar a 33 ou 45 rpm.
A tecnologia do vinil expandiu as possibilidades para os artistas, e os músicos de jazz foram os primeiros a se beneficiar. Com o LP (long play), que oferecia em média 40 minutos, eles tinham agora espaço para suas improvisações, que antes eram impossíveis de acomodar nos menos de 10 minutos dos antigos discos de 78 rpm. Os discos de vinil de jazz também foram pioneiros, ainda na década de 1950, no cuidado artístico com as capas que envolviam suas gravações. Retornamos, então, à discussão inicial deste texto: não era suficiente satisfazer apenas os ouvidos dos fãs, mas também seus olhos e mãos.
O pop e o rock demoraram um pouco mais para se aventurar nesse mundo fascinante, baseando inicialmente seus lançamentos em compactos (não confundir com compact disc) ou singles (discos menores, com 2 ou 4 músicas) que giravam a 45 ou 33 rpm (no caso do Brasil). Os LPs eram utilizados, nesse contexto, como coletâneas de músicas previamente lançadas.
Foi necessário esperar até o início da década de 1960, com artistas como Bob Dylan e os Beatles, para que o LP fosse elevado ao status de obra de arte concebida e executada como tal. A estratégia de lançamento se inverteu: primeiro vinha o LP, seguido pelos compactos (singles) com músicas extraídas do álbum. Foi esse fascínio fetichista que me cativou definitivamente na adolescência e nunca mais me abandonou.
Em meados da década de 1980, o CD de leitura ótica chegou ao mercado, prometendo mais praticidade, durabilidade e qualidade sonora. De fato, a praticidade dos quase 70 minutos de gravação sacrificou o aspecto visual: de 30 cm de diâmetro do LP para os 12 cm do CD. A durabilidade é uma verdade relativa, pois um LP bem conservado pode durar muito mais que um CD. Quanto à qualidade, há divergências, e ela depende muito da gravação, mixagem, masterização e prensagem. Meus CDs (em edições especiais) do Pink Floyd e do Led Zeppelin têm uma qualidade sonora muito superior às edições nacionais em vinil, enquanto a primeira edição dos discos dos Beatles em CD é inferior à dos lançados em LP.
Na década de 1990, acreditava-se que os CDs acabariam com os discos de vinil, mas o que aconteceu foi que o CD quase foi extinto pelos serviços de streaming no início deste século. O disco de vinil sobreviveu e atualmente tem vendas superiores às dos CDs. Voltamos a ter uma variedade de gravações disponíveis muito mais ampla do que no início da década de 2000. O problema é o preço elevado. Os discos de vinil representam um nicho pequeno, embora crescente, do mercado: os colecionadores. Retomando a música de Caetano e fazendo uma paródia com um antigo comercial de cigarros na TV: eu não abro mão do prazer dos meus discos. Se o seu prazer é o som digital hi-tech, virtual e portátil, tudo bem, “cada um na sua, mas com algo em comum”: o amor pela música!