Ganhar a vida explorando a própria sorte e querendo o azar dos outros acaba tendo alguma implicação prática, ainda que toda pessoa minimamente sensata possa intuir que o universo não tem qualquer interesse no destino dos pobres homens aqui embaixo. Feita essa reflexão, fica mais aceitar que canalhas envelheçam tão bem ao passo que os cordeiros de Deus tirem o pecado do mundo e sucumbam pouco depois, levando consigo a magra esperança dos desgraçados. Jake Foley nasceu de quina para a lua e fez desse seu, digamos, predicado uma forma de multiplicar dinheiro em escala industrial, até chegar ao seleto grupo dos 2.640 bilionários sobre a Terra.
“Jogo Perfeito”, no Prime Video, envereda pela vida de Jake muito antes da fortuna, quando se juntava a outros delinquentes juvenis como ele e tirava boas somas de garotos nem tão ingênuos, mas que nunca poderiam oferecer-lhe ameaça. Investido de um perigoso duplo papel, Russell Crowe não faz feio em sua terceira incursão como diretor, esparsamente distribuído em duas décadas — o primeiro, “Texas”, volta a 2002, e é sucedido por “Promessas de Guerra”, lançado em 2014, para ficar apenas nos trabalhos de maior fôlego. Seu roteiro, escrito com Stephen M. Coates, não tem nada de mais; assim mesmo, Crowe lança mão de elementos visuais poderosos a fim de dar uma aura meio épica a seu protagonista, um aventureiro nato que arrasta consigo uma legião de tipos suspeitos numa brincadeira que, claro, não demora a sair do controle.
As luzes e sombras, reentrâncias e saliências, altos e baixos, toda a ambivalência que pode haver no espírito do homem liberta-nos da perdição que nunca deixa de espreitar a natureza humana, mas lança-nos também no limbo de realidades suspeitas que, eivada de fantasia a mais nefasta, nos conduz por entre tantos outros abismos, mais rasos e mais fundos, universo paralelo e mágico, santo e diabólico, onde se dão crimes de toda sorte, mocinhos e vilões trocam de roupa e de lugar sem nenhuma cerimônia, arrevesa-se a natureza das emoções e atira-se ao fado o que deveria ser uma escolha consciente.
O diretor-estrela passa longe de uma performance digna de nota, mas na introdução, uma sequência ameniza alguns problemas renitentes na trama, que vêm e voltam e comprometem o resultado final. Adolescente, Jake, na pele de Darcy Tadich, já aparece como o líder carismático e persuasivo que fascina aliados e rivais, os atraindo para a partida de pôquer em que passa a mão numa bolada. Quando o valentão da cidade cai do azul e também ganha uma rasteira, Jake e sua gangue jogam-se no rio saltando de um precipício, imagem que serve de ótima metáfora para resumir seu temperamento. Mais tarde, quando se dá o evento que justifica a história, essa mesma intrepidez, associada à capacidade de fazer a tal poker face do título original e blefar à vontade, é o que o tira de um grande apuro, embora no desfecho sua cota de ventura esgote-se de uma vez. Mas bons jogadores sabem disso desde o berço.
Filme: Jogo Perfeito
Direção: Russell Crowe
Ano: 2022
Gêneros: Thriller/Crime
Nota: 7/10