A despeito de se ser ou não religioso, tudo fica mais fácil quando, por alguma razão misteriosa, acredita-se num propósito superior, muito além da vã compreensão humana e de seu imediatismo animalesco. Chegar a esse ponto é que é o busílis, e mesmo quando se chega, a prova de fogo é passar por uma situação de desgaste extremo e sair do outro lado, ferido, sangrando, coxo, mas vitorioso — e só se tem certeza de que se é capaz de suportar a tempestade quando a bonança já se anuncia.
“Milagres do Paraíso” é mais uma produção da safra de filmes cristófilos, que ganharam inestimável cartaz a partir de “O Impossível” (2012), dirigido por J.A. Bayona, do badalado “A Sociedade da Neve” (2023), candidato ao Oscar de Melhor Filme Internacional, que prega o contrário do drama de família estrelado por Ewan McGregor e Naomi Watts.
Ironias à parte, o trabalho da mexicana Patricia Riggen é um exemplo de como se tratar um assunto espinhoso de forma lhana, mas com seriedade — malgrado os patentes excessos do roteiro de Christy Wilson Beam e Randy Brown. Beam, a mãe da protagonista na realidade, registrou a história em “Milagres do Paraíso: A Extraordinária Jornada da Menina que Visitou o Céu e Voltou Curada” (2016), misto de romance para donas de casa cristãs e autoajuda em cujas páginas dá uma no cravo, outra na ferradura, esclarecendo aspectos científicos da condição da filha ao passo que mistifica um tanto sua cura. De qualquer forma, Riggen compõe um mosaico cativante ao juntar uma narrativa lacrimosa a atuações dignas de nota, impedindo o apocalipse.
Christy e Kevin Beam vivem na mais perfeita harmonia com as três filhas, Abbie, Annabel e Adelynn, numa casa aconchegante em Burleson, Texas, ampla o suficiente para abrigar os cinco cachorros. Há algum tempo, os Beam hipotecaram a propriedade, seu único patrimônio, para abrir uma clínica veterinária, certos de que Deus vai ajudá-los a conduzir o negócio de forma a prosperarem, quitarem a dívida e se estabelecerem no mercado. Embora frequentem a igreja e sejam cristãos fervorosos, as dificuldades não dão refresco.
Jennifer Garner e Martin Henderson demonstram uma afinidade cada vez maior, e até se duvida que exista mesmo uma tragédia capaz de botar a perder a unidade da família. Bem, de fato eles permanecem unidos até o final ditoso, mas nesse intervalo, Christy se depara com um teste rigoroso a sua crença no Nome Sobre Todo Nome, Aquele que nos conhece antes que nos formássemos no ventre de nossas mães, como diz o profeta Jeremias. Annabel, a filha do meio, começa a sentir fortes dores abdominais, insuportáveis a ponto da criança passar uma tarde no hospital da cidadezinha. Ao cabo de uma bateria de exames e um primeiro diagnóstico nada preciso, constata-se que a garota é portadora de uma doença rara do aparelho digestivo.
Uma boa fração de “Milagres do Paraíso” é empenhada em tornar crível a luta de uma mãe pela cura de sua pequena; quando essa mãe esmerada também perde as esperanças, é a hora da diretora sacar da cartola a solução meio Deus ex machina exposta no livro de Christy Beam, decerto fantasiosa, mas cujo desenrolar arranca lágrimas furtivas de quem assiste.
A interpretação de Kylie Rogers é um verdadeiro acontecimento, o que verdadeiramente mantém o filme a salvo da pieguice meio fundamentalista, e, já na iminência do desfecho, uma cena na igreja dos Beam deixa ainda mais claro que não escolhemos Deus; Ele é quem nos escolhe. Submeter-se ou não, essa é a alternativa que nos compete.
Filme: Milagres do Paraíso
Direção: Patricia Riggen
Ano: 2016
Gêneros: Drama/Biografia
Nota: 8/10