Obra-prima de Guy Ritchie está no Prime Video e vale cada milésimo de segundo do seu tempo Divulgação / Miramax

Obra-prima de Guy Ritchie está no Prime Video e vale cada milésimo de segundo do seu tempo

De tempos em tempos, a possível legalização das drogas alcança o heterogêneo interesse da sociedade, e então teorias as mais vesanas sobre essa ou aquela possível consequência tomam conta das rodas de conversa nos botecos, nas escolas, universidades, gabinetes ministeriais e na Suprema Corte, fenecendo do mesmo jeito repentino e atabalhoado como quando aparecera.

O consumo de cannabis sativa remonta a dez mil anos, mas se ela, por alguma razão misteriosa, desaparecesse da face da Terra para sempre, filmes a exemplo de “Magnatas do Crime” deixariam de fazer sentido; como a tendência é observar-se justamente o inverso e as pessoas estarem cada vez mais tomadas pela urgência de se anestesiar e de sair da letargia enchendo a cara de fármacos e substâncias ilegais, Hollywood pode respirar aliviada e seguir contando as peripécias de traficantes espertos feito o diabo quando se trata de engambelar as autoridades, expondo policiais corruptos que se somam às fileiras do crime organizado em troca de propinas gordas e, claro, a vasta freguesia que só faz aumentar.

Guy Ritchie romantiza um tanto a influência da maconha na economia mundial a partir da história de um homem especialmente talentoso para o comércio da erva, um americano que faz fortuna junto à aristocracia falida da Inglaterra e se torna o gângster mais poderoso do mundo, eixo central do roteiro escrito com Ivan Atkinson e Marn Davies. Assim mesmo, seu filme guarda reflexões quase luminosas a respeito do porquê entorpecentes são tão sedutores, e, o principal, arrisca uma explicação para que sigam incomodando por muito tempo ainda.

Compreender as outras pessoas, dar-lhes uma palavra de incentivo, um sorriso franco, desarmado, sem receio de ser tachado de doido, destinar-lhes um olhar de bondade que seja, muitas vezes exige de nós tamanho sacrifício que é como se fizéssemos mesmo uma longa viagem para aquela vida, em que, as circunstâncias que consideramos as mais absurdas são o que pode haver de mais corriqueiro.

Daí ser tão complexa a vida do ser humano, sempre envolta em centenas de questões, milhares de problemas, dos quais só somos capazes de nos livrarmos na medida em que acessamos o mais obscuro do espírito, primeiro o nosso, para a partir dessa experiência termos consciência uns dos outros. O homem está sempre precisando de alguém que o salve, eis a sua desgraça e a sua redenção. Michael Pearson apareceu e cresceu em cima da má vontade de políticos e da inépcia dos primeiros aplicadores da lei quanto a fiscalizar, combater, reprimir e denunciar o uso indiscriminado de todo gênero de droga, por mais que Ritchie, Atkinson e Davies deem assumida ênfase à maconha.

Mickey começara arrendando um terreno modesto nos fundos de uma velha propriedade medieval de ex-nobres arruinados, no subúrbio de Londres, e em pouco tempo passou a exportar para os Estados Unidos, o que, por óbvio, desagradou muito quem já estava bem-estabelecido no ramo e sequer vislumbrava perder a hegemonia assim tão depressa e sem prévio aviso.

Já no primeiro ato, o diretor elabora o conflito mais acerbo, entre Mickey, que deseja passar para frente seu império, e dois virtuais compradores: Matthew, um bilionário judeu americano, e um gângster chinês-cockney cujo assustador apelido de Olho Seco não faz justiça a sua figura apolínea. Muitos outros personagens entram no enredo, mas “Magnatas do Crime” poderia muito bem ser contado apenas Matthew McConaughey, Jeremy Strong e Henry Golding, três atores que esfriam e esquentam o longa a seu talante, como se anfitriões de uma festinha suspeita num improvável inferninho em Kensington.


Filme: Magnatas do Crime
Direção: Guy Ritchie
Ano: 2019
Gêneros: Crime/Ação
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.