Em tempos de política instável, pessoas criadas a Toddynho e redes sociais acessíveis, os debates têm ido muito além do razoável.
Há uns dias, navegando por página que discute decisões do governo, um grupo de jovens — desses que acha que política é uma subespécie de jogos futebolísticos — falava sobre um de seus jogadores — digo, políticos — preferidos. Li uma resposta desaforada, algo como “Você claramente está morrendo de inveja do Fulano. Primeiro, faça melhor! Depois talvez você possa chegar aos pés dele!”
Desocupada que estava, fui averiguar qual era o teor da crítica inicial e o que fazia da vida o autor da polêmica mensagem. Qual não foi a surpresa quando notei que o rapaz era engenheiro mecatrônico e que a crítica, além de educada, era bastante pertinente.
Há uma série de absurdos nesse tipo de colocação. Por ser de humanas (salve, miçangueiros!), não faço ideia de qual seja o ofício de um engenheiro mecatrônico, mas devo presumir que não se trate de política. Seguindo a lógica surreal do esquentadinho, o rapaz de exatas obrigatoriamente deveria ser um político para ter direito de criticar outro político e, ainda assim, seria um baita invejoso. Afinal, consta de sua cartilha que toda crítica é uma manifestação enrustida de inveja, e esse sentimento, meu amigo, seria capaz de fazer qualquer argumento cair por terra. Qualquer unzinho mesmo. Confesso que, se eu fosse o tal engenheiro e estivesse em dias de TPM, responderia com uma frase de para-choque de caminhão que li um tempo atrás: “Não é porque eu não gosto de abacate que quero ser um”. Simples assim.
O engraçado é que o autor da resposta considerou tudo menos a crítica em si. Sequer cogitou que ela tivesse sido direcionada assertivamente à atitude do político e não ao indivíduo pessoalmente. É muito mais fácil compreender que qualquer crítica é inveja do que cogitar que ela seja lúcida. Discordar de gente melindrosa é oferecer osso pra quem só come carne mastigada pela mãe. Agora, supondo que realmente o rapaz fosse um invejoso, será que isso eliminaria a possibilidade de o argumento ser pertinente? É preciso analisar a mensagem acima do mensageiro: ela pode ser mais lúcida do que parece.
Esse é apenas um exemplo de como a discordância tem impactado a vida das pessoas de maneira opressora, o que não deixa de ser esquisito. Num mundo com mais de 7 bilhões de pessoas, é no mínimo presunçoso esperar que todos idolatrem todos por todos os motivos. É fundamental saber oferecer e receber críticas; faz parte da convivência e pode ajudar no autocrescimento. Porém, como têm constatado os filósofos modernos, o século 21 anda produzindo bocas maximizadas e ouvidos surdos.
Nos áureos tempos de Orkut, lembro-me de uma comunidade bobinha chamada “Sua inveja faz minha fama”. Era bastante infantil e, exatamente por isso, de fácil deglutição. A impressão que dá é a de que o melindre das pessoas tem transformado o mundo numa arena de supostos invejosos construindo supostas famas (já têm até nome: são os “haters”). Mas tanta inveja pressupõe a existência de indivíduos cheios de predicados invejáveis. Agora, cadê esses grandes virtuosos? Sinceramente não faço ideia. Tudo o que vejo é um bocado de gente preferindo se sentir invejada a ter disposição de encarar a possibilidade da falha.
É evidente que há críticas sem nexo algum e que rendem, além de piedade, boas risadas. É claro que existem invejosos de verdade e “haters” realmente dispostos a aporrinhar a vida dos outros. No entanto, antes de arreganhar os dentes — seja para sorrir ou para esbravejar — é preciso ponderar que as razões motivadoras de um argumento nada influenciam em sua veracidade ou falsidade. Ou seja, ainda que o indivíduo seja um baita invejoso (premissa bastante discutível), sequer considerar a pertinência da discórdia é trajar óculos cor de rosa e trancafiar-se numa bolha furta-cor.