Se “Oppenheimer” (2023), a nada bombástica biografia de Christopher Nolan sobre o físico americano que desenvolveu o artefato mais mortífero já inventado, serviu para alguma coisa foi para reacender as luzes que o iluminaram e prestaram-se-lhe de guia. Entre ele e o mestre, Albert Einstein (1879-1955), há duas grandes coincidências de ordem particular, mas Einstein, alemão e judeu, como a família do nova-iorquino Julius Robert, não pareceu se amedrontar nunca diante de suas convicções e do avanço do nazismo — que o levou a deixar seu país de origem, em 17 de outubro de 1933, um dos primeiros a fazê-lo.
Pelo menos é o que se depreende de “Einstein e a Bomba”, na Netflix, o docudrama de Anthony Philipson que se empenha em analisar a vida e a obra do pai da teoria da relatividade geral, pedra angular da física moderna que, junto com a física quântica sugere explicações plausíveis para os mistérios que nos cercam galáxias afora, além de permitir que o homem tenha esperanças tecnicamente reais quanto a viajar no tempo — ainda que não se saiba exatamente para quê —, graças a umas poucas palavrinhas mágicas: energia, massa e velocidade da luz ao quadrado.
Reunidas, elas formam a mais famosa equação científica do século 20, E = mc², da qual Oppenheimer também se valeu para elaborar um artefato que tivesse o condão de condensar uma quantidade reduzida de matéria e assim mesmo liberar energia o bastante para se propagar por um raio de dois quilômetros, como se deu em Hiroshima, matando cerca de oitenta mil pessoas instantaneamente. Baseado nos escritos e discursos do próprio Einstein, ilustrados por um vasto acervo de fotos e vídeos, o filme de Philipson é um bem-vindo reforço na biografia de Einstein e Oppenheimer, nessa ordem, e ainda traz à superfície personagens secundários fundamentais na trajetória de peregrinações de um pensador que teve de aprender na marra a lidar com a vida como ela é.
Einstein foge dos “destroços humanos” que Hitler arregimentou em seu entorno, emigra para Norfolk, no leste da Inglaterra, e vai morar numa cabana, nos domínios de um sítio do comandante Oliver Locker-Lampson (1880-1954). Na pele de Einstein, Aidan McArdle oferece ao público um interpretação mediúnica, e na abertura, a dobradinha com Andrew Havill dá uma dimensão humana, demasiado humana, ao mito.
Detalhes saborosos como a existência de duas guarda-costas mulheres, Barbara Goodall e Margery Howard, imbuídas da proteção de Einstein, com suas espingardas a tiracolo, têm a medida exata de comicidade, e ainda que não se conheça muito sobre a história delas — além de Locker-Lampson ter desposado Goodall em 1935 —, Helena Westerman e Rachel Barry, nessa ordem, roubam a cena na pele daquelas duas figuras à primeira vista tão delicadas, mas que se propõem a manter a salvo um homem raspando na velhice, que abandonara fortuna, propriedades, dinheiro no banco, mas fizera questão de levar consigo sua honradez e sua fé na vida.
O diretor pincela o novo êxodo de Einstein, agora para os Estados Unidos, mas são de fato os primeiros dos 76 minutos a grande beleza de seu trabalho: a imagem do verdadeiro Einstein, ultrajado, rindo de nervoso enquanto troca impressões com a população de Norfolk ao desembarcar em solo inglês é um achado.
Filme: Einstein e a Bomba
Direção: Anthony Philipson
Ano: 2024
Gêneros: Documentário/Drama/Biografia
Nota: 9/10