A gente sempre escuta a frase: “eu não gosto de despedidas” — como se repetir essa negativa nos livrasse do inevitável ato de separar. Nunca vi alguém dizer: “eu adoro despedidas”, ou então, “olha como sou ótimo em me despedir”. Separar daqueles que amamos ou ter de despedir de alguns sonhos sempre nos parecerá uma grande injustiça. Como se o destino, esse trombadinha mítico, houvesse nos furtado algo. Mas somos nós os pegos em flagrante com os velhos sonhos na mão. Em desespero, questionamo-nos. — Socorro, tem alguém indo embora com um pedaço meu! — Meu Deus, pra onde estão levando os meus sonhos?
Nos cindimos cada vez que necessitamos avançar. O cordão umbilical cortado, o parto, a fala, o passo. Tudo é separação. A morte, a saída da casa dos pais, mudar de cidade, de país, de visual, de emprego, escolher entre o sim ou o não. Pra lá ou pra cá? Trocamos de sonho, de ideia, mudamos de casa, de plano. Tudo é despedida. Ah, quantos “adeus” são necessários para que nos tornemos gente grande? Perdi as contas de quantas vezes nessa vida eu já me despedi de mim. Nem todos os planos são infalíveis. Nem tudo é chegada ou espera. A gente vai se recortando, aparando as arestas, dando adeus aos nossos restos para dar forma a novos sonhos. Em contrapartida, puxaremos a corda num cabo de guerra, relutando em sofrer a dor que separa. A gente parece se deixar ir naquilo que se foi. Como é difícil a despedida de nós mesmos. Quantos últimos abraços teremos que dar no passado antes de aceitarmos pegar o trem que, de hora em hora, parte para o hoje?
Na estação seguinte, estaremos bem mais próximos do destino final. Menos osso, menos células, menos neurônios. Por outro lado, temos o tempo como uma máquina oportuna de recriar a vida. Ainda bem que há sempre novos bilhetes à venda nas gares. Ainda bem que tudo é passagem. Ainda bem que, depois de tanta despedida, há um encanto que vive escondido dentro de cada começar. Despedir dói, assim como dói crescer. Porque não há crescimento sem despedida. Porque não há chegada do novo sem partida. Porque não há conhecimento sem a morte da ideia anterior. Justificaria o poeta Vinicius de Moraes: “porque não há nada sem separação”. É, sei lá, a vida tem sempre razão. Mais tarde acabamos por descobrir que “todo fim é um começo, a gente só não sabe disso naquele momento”.