O carnaval não gosta de mim. E já faz muito tempo. Desde a minha meninice. Meu pai me levava, juntamente com os meus irmãos, para as matinês carnavalescas do clube dos funcionários do Banco do Brasil, que ele adorava. Ele adorava o clube, o banco; não as matinês. O desgosto pela folia, portanto, devia ser coisa de família. Meu velho sentia uma gratidão eterna por aquela instituição financeira. Algo de idolatria mesmo, de cunho quase transcendental, eu diria. Papai foi de uma época em que se remuneravam muito bem os funcionários do banco. Quem fosse funcionário do BB saía na frente, namorava as mulheres mais bonitas da cidade. E se casava com elas. Se tivesse vontade.
Fantasia? Não. Mamãe frisava que não tínhamos verba disponível para torrar com fantasias compradas em lojas. Óbvios limites orçamentários de uma família da classe média. Então, ela mesmo forjava as indumentárias infantis usando farrapos, roupas velhas, inovação e um afeto espantoso. Costurava bem a danadinha. No final das contas, ficávamos até feiozinhos, embora, adequados para a prática da folia. Sem dúvida, de uma prole de quatro integrantes, eu era o mais desajeitado, o mais sem graça, o picolé de chuchu da família. Simplesmente não me adequava. Não via o menor sentido em deixar de brincar, de jogar futebol com os amigos, para participar daquela turba de moleques fantasiados que davam loops eternos pelo salão lotado, calorento, cacofônico, ouvindo uma música estridente cujo refrão perguntava “Será que ele é? Será que ele é?”. Será que ele seria o quê? De minha parte, se eu era feliz, eu não sabia.
O carnaval não gostava de mim. Escrevo isso sem nenhuma nódoa de ressentimento. Eu entendo o carnaval. Popular como é, o carnaval está certo. E não tem nada de mal nesse tipo de aversão. São coisas que acontecem. Aquele excesso de alegria estampada no rosto das pessoas me provocava gasturas. Se é que exista limite para felicidade e para tristeza. Tinha uma enorme dificuldade em entrar na dinâmica dos grupos, no clima festivo das multidões. Não me sentia miserável. Frustrado, talvez. Estranho, com toda certeza. Claramente deslocado da catarse coletiva.
Uma vez mais crescidinho, adentrado na puberdade, com o rosto tomado por espinhas, com as bolas tomadas por cabelos, passei a me embrenhar em lugares com os meus amigos. Seguindo o efeito manada, fui parar nos carnavais do Jóquei Clube. Que drama vive hoje o Jóquei. O monumental prédio onde ele funcionava encontra-se abandonado há décadas, deteriorando. Os governos pouco se importam com a memória afetiva do seu povo e com o patrimônio histórico. O carnaval não. O carnaval se importa com todo mundo, exceto, comigo. Não tem problema. Como cliente cativo da neurastenia, sei que o carnaval tem sempre razão.
De volta ao passado: nunca vi uma turma tão animada. Ainda assim, eu não me permitia entrar naquela vibe. Não no nível hard dos meus companheiros. Me sentia desconcertado. A chatice, perto de mim, era fichinha. Abdicava das ofertas marotas de lança-perfume. Tinha medo de ser preso. Imaginem só que patacoada. Ainda não ingeria bebidas alcoólicas. O que era uma pena. Seria ótimo ficar bêbado e deslocado. Mas, permanecia entregue ao próprio tédio, gastando o baile inteiro com um copo de Fanta Laranja a esquentar nas mãos. Eu suava de calor e de agonia. Era novo demais para cair fora sozinho. Seguia a lógica tribal de permanecer com os meus amigos. Sim. É claro. Eu tinha um particular interesse em conhecer garotas. E apalpá-las na medida do possível e do consentido. E sentir aquele cheirinho gostoso de água-de-colônia nas suas nucas.
Nunca diga sempre. As marchinhas perseguiam-me: “Mulata bossa nova caiu no hully-gully e só dá ela iê iê iê iê iê iê iê iê na passarela”. O que diabos significava cair no hully-gully? Mulata, para mim, seria uma espécie de pássaro verde, tipo arara ou periquito. Bossa nova eu ainda não escutava. Hully-gully era para mim indecifrável e continua a sê-lo. Com muito custo, robotizado arlequim, eu esticava os fura-bolos para cima e fazia movimentos alternados de subida e de descida, como um virabrequim de motor, uma coreografia vulgar, patética até; que não combinava em nada com a clamorosa falta de jeito com a qual desfilava pelo salão abarrotado, a me esfregar com estranhos ao som de marchinhas de carnaval absolutamente alegres, insuportáveis. Aos treze anos, comportava-me como se tivesse oitenta. Um verdadeiro fiasco em termo carnavalescos. Era por essas e outras que o carnaval não gostava, não gosta e jamais gostará de mim. Conte comigo quando for me cancelar, caro carnaval. Cara-caramba-cara-caraô pra você também.
O carnaval nunca gostou da minha personalidade excêntrica e não tem nenhum problema nisso. Acho que a folia tem lá as suas razões ao me desprezar. Tornei-me um homem adulto, mais sério que a média dos bancários associados nos últimos séculos. Lamento informar que continuo avesso aos séquitos contentes que se espremem ao som de bandinhas e de fanfarras. Ao menos, não se samba mais nos círculos viciosos dos clubes associativos. Sofro de labirinte, de sinusite, de chatice. Não me agradam as associações. Não quero me associar a mais ninguém que se pareça comigo e creio que vocês, pacienciosos leitores, poderão compreender plenamente bem os meus motivos pulando vocês mesmos, com as suas pernas e com os seus fura-bolos, o carnaval dos sonhos.
No momento em que redijo essas entediantes linhas, as ruas do país estão abarrotadas de bons e de maus brasileiros a se confraternizar, a se desentender, a se apaixonar, a tomar chuva torrencial na cabeça, a urinar na própria roupa. Que baita sensação de liberdade. Bendita seja a chuva que renova os mananciais de água e que lava o indefectível cheiro de mijo das sarjetas. Por insistência dos cantores populares, só os que não morreram seguem atrás do trio elétrico, em busca da alegria, do romance e do imprescindível encontro com um sentido mais alvissareiro para a vida, essa incompreendida. E só dá ela iê iê iê iê iê iê iê iê na passarela.