Eu nasci no Brasil, só acho que vim com o software errado. Como assim eu vivo aqui e não sou fã de futebol e carnaval? Eu me esforço: na Copa do Mundo eu torço como todo mundo. Como não sei identificar um impedimento, o jeito é disfarçar: é só xingar o juiz e o técnico que tá tudo certo, ninguém percebe. Quando se trata de carnaval a tarefa é um pouco mais difícil. Nem sempre consigo.
Não me levem a mal. Não sou um careta conservador. Só sou ruim da cabeça (e hoje em dia quem não é?) e doente do pé. Sambo com a mesma graça de um avestruz usando patins. Tem muita coisa na festa que eu amo. Acho ótimo ser uma festa de rua. É sempre um caos, mas um pouco de caos traz vida a qualquer ambiente. E, convenhamos, uma festa pra ter cara de Brasil tem que ser uma bagunça. Festa organizada é na Alemanha, onde até os atrasos têm hora para acontecer. Mas em um país como o nosso, onde a bagunça é a regra o ano inteiro, o carnaval vira uma espécie de pleonasmo cívico.
E olha que eu adoro dançar, por mais que a minha coluna reclame. Só não consigo dançar qualquer música. Não, não sou elitista. Não espero que toquem Beethoven no trio elétrico. Não dá para pular com a 9ª sinfonia. Entendo que pra fazer sucesso no trio elétrico a música tem que ser meio besta. Mas não consigo gostar de axé. Parece música de adestrar cachorro: “dobra o joelhinho, abaixa a bundinha”. Me sinto meio ofendido. E tem ainda o funk carioca, só não sei se o termo “música” é abrangente a ponto de incluir o funk carioca.
Já fui atrás de bloco. Alguns eram divertidos. Mas outros eram só muvuca. Fui em um que tocava David Bowie. Não com banda ao vivo, eram só as músicas tocadas em um trio com caixa de som distorcida e acompanhado por uma multidão trocando pisões no pé. Desisti. Já vi Bowie ao vivo. Tinha pisão no pé, mas pelo menos tinha o homem em pessoa no palco. Já compensava.
Também não entendo os desfiles de escolas de samba. Já fui ver duas vezes. É um espetáculo bonito e impactante, só não entendo o que a ala das baianas tem a ver com “Sherazade e as mil e uma noites, uma epopeia na terra das Arábias”. Dizem que é “o maior espetáculo da Terra”, mas eu ainda acho que o maior espetáculo é a feijoada da minha esposa. Mas quer curtir? Vá fundo. Não precisa todo mundo curtir junto pra você ser feliz.
E acho que esse é o segredo. Não existe isso de “todo mundo tem que curtir o carnaval”. Não do mesmo jeito. Acho até estranho que tratem o carnaval como festa universal da pegação (“usem camisinha!”). Desde quando seres humanos precisam de data para acasalar? Não somos salmões. Eu já sou casado, não preciso ter uma data para beijar muito. É só cada um ficar na sua. Qual é o problema?
Muita gente acha que as pessoas que reclamam do carnaval são todas reaças, mas não é verdade. Às vezes só querem dormir direito. Sim, tem uma galera que é moralista e reclama da nudez e “meu Deus, onde esse país vai parar?” Eles não vão sossegar enquanto não transformarem o carnaval em uma apresentação escolar. Não dê atenção a eles. Tem também um povo que quer dançar a noite inteira e faz questão de que o bairro inteiro dance junto, inclusive a senhorinha que está em casa fazendo tratamento contra câncer. Essa postura de “é meu direito despirocar” acaba se chocando com o direito de quem só quer que você mantenha a sua piroca no lugar. Não estão pedindo muito, né?
A verdade é que não precisamos de mais uma polarização. Cada um curte o carnaval à sua maneira, sem o sentimento de “quem pensa diferente de mim tem que morrer”. Não estamos pedindo mais tolerância e pluralidade? Então. Da minha parte, eu vou beber, curtir uns programinhas, encontrar amigos e beijar minha esposa. Tudo sem marchinha e axé. Desculpa aí, puristas. E fica o toque: sabe quem costuma ter o sonho de ver um país inteiro agindo igualzinho? Ditadores. E de ditadura a gente quer distância, não é?
Bom carnaval. E se for vomitar, tente evitar meu pé. Obrigado.