Uma infinidade de poetas canalizou seus versos ao que se chama de amor. De grandes escritores a poetinhas de bar, tentou-se colocar em gavetas definidoras o que seria esse enigma das gerações. Limitar o amor a algumas linhas é mero protocolo. Mais que conceituá-lo, é preciso reconhecer sua chegada.
Amor é filho da rotina, é a aquietação que se instala quando a paixão que turva os sentidos vai-se esvanecendo. É dividir a caneca de café, sentir o outro antes de vê-lo, reorganizar a agenda para encaixar um vinho a dois bem no meio da semana, abrir mão da melhor metade do mamão, não ter vergonha de roncar um pouquinho ao final da gargalhada, completar o pensamento do outro com a palavra que falta… Amor é a paciência de se cobrir novamente quando o outro rouba o lençol à noite, é ver poesia no clichê dos clichês, é o riso de contentamento no canto da boca quando o parceiro esquece — de novo — de colocar a tampa no pote de açúcar.
Dia desses, um casal de idosos revelou o segredo de seu casamento de 63 anos. Nada de firulas, juras eternas ou fogos de artifício. Apenas o regozijo encontrado na trabalhosa rotina de cuidados: “Até hoje, ele penteia meus cabelos, ora junto comigo e, antes de dormir, sempre me diz: ‘amanhã a gente se vê de novo’. Pela manhã ainda pergunta se eu dormi bem”, diz dona Olinda sobre seu Paulino. A cabeça branca dos dois revela a experiência de quem conhece o trabalho árduo de manutenção do amor.
Acima de toda singeleza, no entanto, tal sentimento exige devoção. É preciso que haja curadoria de gestos, reinvenção de velhos hábitos e desenvolvimento de olhos aguçados para cuidar da relação. Amar exige e exige muito. Em sua boemia desacreditada, Bukowski reduziu-o a mera névoa que queima com a primeira luz de realidade e desaparece após um breve instante. Pudera. É certamente mais confortável rotulá-lo como uma ilusão do que firmar o contrato de fomentá-lo a cada dia.
A verdade é que se acostuma com a presença do amor, mas a falta dele também é capaz de se instalar com dolorida certeza. Ninguém deixa de amar do dia para a noite, mata-se o sentimento aos poucos: na ausência do toque, na supressão de diálogos, nos descasos cotidianos, nas ironias degradantes, nas implicâncias gratuitas ou em tantos outros pequenos abandonos que, enquanto maltratam, vão construindo a certeza do ponto final.
Bons parceiros conversam por palavras, mas, principalmente, por silêncios. Por vezes, o verbo se faz desnecessário e um olhar de cumplicidade comunica bem, mas há momentos em que não falar é a prova do descaso e da preguiça com a parceria. Silêncios comunicam muito e podem ser o prenúncio do abismo, quando tomam o lugar do que deveria ser presença.
Há de se ter cuidado para que a certeza quanto ao sentimento do outro não leve ao descuido. O amor requer elegância e persistência permanentes. É oferecer e desfrutar, cuidar e ser cuidado, tocar e ser tocado. É reciprocidade e, por ser eterno apenas enquanto dura, exige esforço para se fazer durar.