Mergulhar nas profundezas de uma relação é um ato voluntário, que gradativamente se afasta da lógica para se embrenhar num terreno fértil de sentimentos que se desenfreados, transformam-se num labirinto de obsessões, desilusões e tristezas profundas. Aceitando a perspectiva de Fernando Pessoa, o amor traz consigo uma inevitável parcela de absurdos e atitudes impulsivas, que, embora desafiadoras da nossa essência, são por vezes motivo de orgulho, até que a vergonha nos atinja. Esta ilusão de autenticidade em relações, muitas vezes construídas sobre alicerces frágeis, nos prende num ciclo vicioso de decepção e sofrimento que parece não ter fim.
A dimensão única na qual os amantes se encontram, cada um vivenciando o amor a sua maneira, serve como termômetro para medir a saúde ou toxicidade de um relacionamento. As discrepâncias em expectativas e sonhos podem revelar quão desalinhados estão os parceiros, a ponto de parecerem estranhos um ao outro.
“Pura Paixão” (2020), dirigido por Danielle Arbid e baseado na obra de Annie Ernaux, laureada com o Nobel de Literatura em 2022, explora exatamente essa divergência através de Hélène e Aleksandr, interpretados por Laetitia Dosch e Sergei Polunin, respectivamente. O filme desdobra-se na simplicidade de suas vidas cruzadas, destacando como percepções distintas podem coexistir numa mesma relação.
A trama ganha complexidade ao confrontar as noções preconcebidas de gênero, desafiando o estereótipo do homem aventureiro e da mulher romântica e dependente. A história evolui até um ponto crítico onde as diferenças entre os protagonistas se tornam insustentáveis, culminando numa separação emblemática que remete ao clássico “Os Girassóis da Rússia”, mas com uma reviravolta única que marca a essência de “Pura Paixão”. Este desfecho não só surpreende o espectador mas também reflete sobre as complexidades das relações humanas e a inevitável busca por conexões significativas.
Filme: Pura Paixão
Direção: Danielle Arbida
Ano: 2020
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10