Toda vez que um filme como “Caminho da Sobrevivência” ganha o mundo, é impossível não pensar sobre a extensão das maldades perpetradas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O belga Tim Mielants mostra que as tropas de Hitler sempre conseguiam descer um pouco mais na escala de barbárie que impunham aos judeus durante a ocupação dos inúmeros territórios ao longo dos seis virulentos anos pelos quais se arrastou o conflito, e no caso da Bélgica, o diretor se estende sobre uma questão um tanto misteriosa, desvelada aos poucos em cenas de incômodo realismo, façanha nem tão admirável assim dada a natureza bestial da história como de fato aconteceu.
Os eventos que Mielants narra são tristes, cinzentos, monótonos em sua agourenta previsibilidade, conquanto a fotografia de Robrecht Heyvaert quebre a escuridão aqui e ali com o vermelho do sangue que espirra de condenados e algozes.
Na Antuérpia de 1942, Wilfried Wils segue a rotina tediosa de policial de rua num lugar em que os alemães ditam a lei maior: perseguir e, de preferência, matar judeus, usurpando também seu patrimônio. O diretor e seus corroteiristas, Carl Joos e Jeroen Olyslaegers, esclarecem que não é função da polícia comum meter-se no andamento da conduta que o Estado reserva a seus maiores inimigos, uma praga que resiste e se alastra pelos porões das casas e pelos becos escuros da cidade, como os ratos, imagem popularizada em “Maus: A História de um Sobrevivente” (1986), a série de cartuns do sueco Art Spiegelman, e reproduzida à mancheia aqui.
Contudo, os recrutas são abertamente estimulados e mesmo coagidos a aderir ao massacre, o que Wils faz não sem tecer um plano qualquer na intenção de permitir que as pessoas que é forçado a subjugar escapem.
Quando, durante uma ronda noturna com Lode Metdepenningen, um colega do grupamento, bate à porta de Chaim Litzke, o judeu endinheirado vivido por Pierre Bokma que o recebe ao lado da mulher e da filha pequena do casal, apavorada, o oficial flamengo da SS, a polícia política germânica, personagem de Guy Dierckx, segue-se o horror que ele já esperava. O que Wils não previa é acesso de cólera que se apodera dele, com as consequências que se espraiam pelo restante do filme.
Conhecido pela série “Peaky Blinders” (2013-2022), em “Caminho da Sobrevivência”, na Netflix, Mielants desenvolve um suspense cujo teor fatalista ganha corpo à medida que os crimes mais e mais sangrentos cometidos pelos nazistas dominam a tela. Stef Aerts e Matteo Simoni ocupam boa parte da trama, mas isso conta muito mais a favor do que embaraça o andamento da narrativa, levada num ritmo acelerado, mas fluido. E não deixa que se cole no longa a pecha de “mais um relato sobre o nazismo”.
Filme: Caminho da Sobrevivência
Direção: Tim Mielants
Ano: 2024
Gêneros: Drama
Nota: 8/10