Pais e filhos, são quase sempre, unidos por um elo tênue, mas sólido, que se alonga para muito depois do fim de tudo. Ninguém jamais será insubstituível e crianças, por mais vulneráveis que pareçam, não se deixam subjugar tão facilmente — mesmo que por aqueles que hão de amá-las por cima de qualquer regra, sob qualquer circunstância —, mas “Na Companhia do Mal” é capaz de nos induzir a pensar o contrário.
O drama de família que William Brent Bell vai misturando com um terror psicológico sensato e assim mesmo angustioso, balança convicções em cenas perturbadoras, que o diretor encadeia com método. O ótimo texto de Nick Amadeus e Josh Braun não cede um milímetro no que pretende, mas concede ampla licença para que o elenco brilhe, fazendo desse conto poetiano uma história espantosamente realista.
Na introdução, um casal sente cada vez mais insuportáveis as dores da separação. A advogada Maggie Vahn está cheia dos dilemas existenciais do marido, Jeff, um cartunista que já experimentara o sucesso no passado, mas que há algum tempo não consegue emprego, muito por sua incapacidade de adequar-se às convenções sociais a que todo mundo se submete. Maggie vai sendo tomada de uma fúria meio irracional em relação a Jeff, talvez lembrando do que já não têm e não são (e muito disso, ela pensa, em razão da apatia dele), e passa a querer o divórcio a todo custo, influenciada pelo pai, Paul Rivers, um dos melhores juristas de Nova York.
A composição de Maggie teria tudo para resvalar numa grotesca caricatura, mas Mamie Gummer está atenta. Sempre alguns passos à frente, Gummer tem o condão de navegar com técnica entre a vilania e o bom-mocismo meio envergonhado da personagem, como se não quisesse prejudicar o marido de quem precisa se livrar, quiçá, no fundo, esperançosa por uma sua transformação súbita e milagrosa, nutrida, claro, pelo amor que lhe dispensa, até a contrapelo.
Esse belo mote irriga patéticas acusações de sexismo, em especial depois que Maggie é atropelada numa rua sem movimento nos arredores da Sexta Avenida, e morre. Suas últimas raivosas palavras soam feito uma maldição sobre Jeff, com quem brigava pela guarda de Jennifer, a filha dos dois. É a deixa para que o enredo vá à fase sombria — e o panfletarismo feminista recrudesça.
Jeff, por natural, continua com Jenny só para si, bem como herda todo o vasto patrimônio da esposa morta, a começar pela casa nababesca em Greenwich Village. O viúvo e o pai de Maggie passam boa parte do restante se engalfinhando, pretensamente em nome do bem-estar da garota, e Rupert Friend constrói lindamente a imagem desse homem confuso, perdido, louco de amor pela filha e disposto a enfrentar o sogro influente para que ela permaneça sob sua custódia, ao mesmo tempo em que preferia não ter de bater de frente com ele.
Friend serve de interseção as passagens em que Brian Cox fica a um passo de roubar a cena, malgrado os dois sejam engolidos pelo carisma de Violet McGraw, paradoxalmente assustadora à medida que sente as manifestações sobrenaturais da mãe. O desfecho previsível inclui Samantha Nally, a babá nada perfeita de Madeline Brewer, mas é tarde: “Na Companhia do Mal” já nos fez odiar casamentos e desconfiar de parentes colaterais algumas vezes.
Filme: Na Companhia do Mal
Direção: William Brent Bell
Ano: 2021
Gêneros: Terror/Mistério
Nota: 9/10