Ser pobre no Brasil é uma luta. Superar os efeitos de anos de abandono, de carências diversas, da moradia improvisada, do pão escasso, da falta de perspectivas exige o conhecimento de técnicas refinadas, e foi assim que José Aldo da Silva Oliveira Júnior foi preparando o espírito para se tornar um dos atletas mais bem-sucedidos da história do esporte nacional.
“Mais Forte que o Mundo — A História de José Aldo” conta parte de sua jornada até o cinturão do UFC, a liga de empresários e treinadores responsável por organizar os combates com profissionais das Artes Marciais Mistas, o MMA, famosos em todo o mundo e hoje populares também por aqui, depois do estranhamento inicial, em especial a parte tortuosa, feita de golpes baixos, de quedas, momentos críticos em que as decisões teriam de ser certeiras, sem tempo para hesitações. Afonso Poyart encontra essas brechas na imagem já um tanto mítica de seu biografado e ressalta essas horas de tensão, marcadas ora por um desespero solitário, ora pela fúria que gritava a plenos pulmões, até tornar-se quem deveria ser.
Depois da estreia promissora de “2 Coelhos” (2012), e de uma incursão por Hollywood solenemente ignorada, com “Presságios de um Crime” (2015), Poyart elabora, com Marcelo Aleixo Machado e Marcelo Rubens Paiva, um roteiro mais concreto, porém cheio de possibilidades, na medida para explorar não só o protagonista como os muitos personagens da história. Aldo começa dando vazão a um temperamento explosivo, delituoso, na periferia da Manaus do princípio dos anos 2000, caçando pedestres nas ruas com uma ripa de madeira junto com os amigos a bordo de um carro envenenado.
Eles vão acertando um e outro, cedendo a vez conforme avançam, mas quando vem a sua chance, ele avista um homem idoso, embriagado, e refuga. Essa é a maior pista que o diretor dá quanto a uma possível regeneração de Aldo, e a imagem daquele velho fragilizado, completamente suscetível à maldade de estranhos, remete-lhe a um cenário bastante íntimo, repisado com alguma constância por Poyart. José Loreto vai acertando o tom de seu anti-herói ao mostrar os lados mais escondidos desse homem ainda por se achar, carinhoso com a mãe, Rocilene, de Claudia Ohana, ríspido com o pai, José Aldo como ele, com toda razão, mas compreensivo e empático também.
Loreto e Jackson Antunes destacam-se nas passagens mais comoventes do filme, afinados quanto a deixar vir à superfície a angústia fundamental de Aldo pai e Júnior, tipos, cada qual a seu modo, amargurados pela dureza da vida de privações que digerem de jeitos opostos. É justamente esse o vínculo mais forte a uni-los, e o que acaba levando Aldo a tentar a profissionalização no Rio de Janeiro, graças ao acerto pela demissão do pai por um erro na construção em que dava expediente como pedreiro. Antes, Poyart vale-se de uma solução engenhosa a fim de esclarecer de uma vez por todas que a jornada de Aldo não seria das mais pacíficas, mostrando Fernandinho, o rival obsessivo interpretado com convicção e um ar diabólico por Rômulo Arantes Neto.
Do segundo ato ao desfecho, a narrativa se concentra na penosa vida de Aldo no Rio, onde é acolhido pelo amigo Loro, de Rafinha Bastos, que lhe consegue uma cama nos fundos da academia onde pensa que vai treinar. Mas à guisa de teste — mais um —, Dedé Pederneiras, o proprietário, o despacha para um emprego na lanchonete de um conhecido, onde usa de toda a inteligência emocional que consegue para lidar com os insultos de Ceará, o garçom encarnado por Francisco Gaspar num esforço perdido de respiro cômico. Aqui, como no segmento anterior se dava com Antunes, as sequências de Loreto e Milhem Cortaz levam a narrativa a emoções mais profundas.
Os dois fazem de “Mais Forte que o Mundo — A História de José Aldo” um filme predominantemente masculino, sobre a amizade e a confiança de um esportista em ascensão e seu mestre, ainda que personagens femininas, como Luísa, a amiga de infância e ex-namorada, de Paloma Bernardi, consigam boa visibilidade. O mesmo não se pode dizer de Cleo Pires, canastrona como Viviane, a mulher com quem José Aldo se casou depois de vencer o canadense Mark Hominick, mantendo o título de campeão peso-pena do UFC.
Filme: Mais Forte que o Mundo — A História de José Aldo
Direção: Afonso Poyart
Ano: 2016
Gêneros: Ação/Esporte/Biografia
Nota: 8/10