Baseado em Stephen King e eleito um dos melhores filmes da história, drama com Tom Hanks está no Prime Video Divulgação / Warner Bros

Baseado em Stephen King e eleito um dos melhores filmes da história, drama com Tom Hanks está no Prime Video

Ser negro nos Estados Unidos continua difícil, mas na Louisiana da década de 1930 os fantasmas do preconceito eram muito mais tangíveis e muito mais assustadores. Ter na pele a cor errada poderia ser a diferença entre viver e pagar com a morte pelos crimes que não ficavam bem para brancos, premissa de que Frank Darabont extrai todo o sumo de funesta poesia em “À Espera de um Milagre”, a história de um equívoco que acha o meio ideal para prosperar, deixando um rastro de tristeza indignada e muda na vida de dois homens de mundos diversos obrigados a conviver na pior das circunstâncias, olhando-se bem fundo e se reconhecendo um no outro.

Na esperta adaptação do romance homônimo de Stephen King, publicado em 1996, o diretor transporta o público para o ambiente claustrofóbico que a fotografia de David Tattersall torna quase massacrante, não fosse por um detalhe até pueril em sua singeleza. O roteiro de Darabont e de King vale-se dessas sugestões quase misteriosas a fim de avivar no espectador a inquietação diante de uma vida feita para todo gênero de castigos, que não se liberta nem com o socorro de uma alma genuinamente misericordiosa.

O diretor avança sessenta anos e mostra Paul Edgecomb, o chefe do corredor da morte numa penitenciária federal da Louisiana, sudeste americano, debilitado num asilo. Em 1935, Edgecomb pensava que sua vida seria muito menos tediosa e atribulada, ao lado dos filhos que teria com a mulher, Jan, e dos netos, mas o destino não fora-lhe tão magnânimo. Em 1935, a América ainda sacudia a poeira da Grande Depressão, iniciada seis anos antes com a quebra da Bolsa de Nova York, sem saber se e como daria a volta por cima, mas aquele território às margens do Golfo do México continuava atrasado e esquecido como sempre, até que o estupro seguido de homicídio de duas meninas brancas põe o estado nas páginas de todos os jornais.

John Coffey, o acusado, é um negro de cerca de quarenta anos e quase dois metros de altura, que os enquadramentos de Richard Francis-Bruce fazem parecer muito maior. Aos poucos, o Edgecomb narrador, com Dabbs Greer (1917-2007) à vontade na pele do condutor da história, revela as interseções com seu novo custodiado. Se Michael Clarke Duncan (1957-2012) faz de Coffey uma figura um tanto caricata por seu medo da escuridão frente a uma montanha de músculos e cicatrizes, o tarimbadonpolicial vivido por Tom Hanks padece de uma infecção urinária renitente, que prejudica em algum grau o casamento com Jan, de Bonnie Hunt.

Nesse movimento pendular, de Coffey para Edgecomb e vice-versa, Darabont esgaravata os porões dos riquíssimos tipos humanos que a cadeia encerra. Todos são guardadas as devidas proporções, homens de bem, como Brutus ‘Brutal’ Howell, o carcereiro interpretado por David Morse, ou Dean Stanton, o aspirante bem-intencionado de Barry Pepper, em contraste com Percy Wetmore, o sobrinho da mulher do governador que insiste em permanecer ali por pura psicopatia latente.

Doug Hutchison protagonista bons momentos de embate com esse núcleo, enquanto a interação com os presos, com direito a um roedor-mascote chamado de Senhor Jingles, nos remete imediatamente a “Um Sonho de Liberdade” (1994), também de Darabont. O segredo de polichinelo em torno de Coffey reinicia o filme, cujo único delito é se estende por quase invencíveis três horas. Mas vale o esforço.


Filme: À Espera de um Milagre
Direção: Frank Darabont
Ano: 1999
Gêneros: Crime/Fantasia
Nota: 9/10