Comédia romântica sedutora da Netflix te fará enxergar o que realmente importa Divulgação / Netflix

Comédia romântica sedutora da Netflix te fará enxergar o que realmente importa

O Peru reúne mistérios indevassáveis, de civilizações sagradas e profanas que inspiram amores eternos ou de uma estação, mas que ficam na lembrança por mais de uma vida, desafiando as altitudes selvagens da cordilheira dos Andes e seu isolamento gélido, derretendo as neves eternas da correria, da ganância, da ânsia de vencer a todo custo.

“Até a Próxima Vez”, a comédia romântica de Bruno Ascenzo, fica entre esses dois universos, avançando e retrocedendo numa paixão nada óbvia e talvez cheia de riscos ao passo que revela o plano de um clã milionário para expandir seus negócios, valendo-se de paisagens de tirar o fôlego — e da negligência e da devassidão moral de certos agentes públicos. O texto de Ascenzo, fluido, direto, mas também destilando uma poesia quase juvenil, dá a sensação de que o amor é mesmo soberano em qualquer contexto, por mais que saibamos que, às vezes, a fantasia do amor é o que o faz resistir. 

Duas almas gêmeas e opostas fundem-se em Cusco, mas antes o diretor-roteirista concentra a trama em Salvador Campodónico, herdeiro de uma das maiores redes hoteleiras da Espanha, particularmente envolvido no projeto que visa a construir para um resort sete estrelas na antiga capital do império inca. Alberto, o patriarca vivido por Vicente Vergara, despacha o filho para o Peru, aonde vai a fim de concluir a aquisição do terreno no qual o novo colosso da família há de subir e se empenhar para que a prefeitura autorize a empreitada, o que, claro, inclui o pagamento de suborno aos fiscais.

Ascenzo não se aprofunda nesse núcleo meio enfaroso da história, preferindo dar espaço para que Maxi Iglesias brilhe na pele do playboy gente fina, que bate à porta da modesta pensão vizinha ao hotel onde é hóspede porque quebrou a chave na fechadura e fica mesmerizado com uma dança lúbrica e a alegria sincera da gente que o acolhe — e que de alguma maneira pretende despojar. Os 3.339 metros acima do nível do mar não tolhem o condicionamento de quem acorda às cinco da manhã para correr quinze quilômetros todo santo dia, mas a visão de Ariana María, uma bela e rebolativa moradora o lugar o entontece.

Essa primeira aproximação é frutífera, como em toda o filme romântico que se preze, mas à medida em que vai conhecendo Ariana, Salvador percebe que terá dias de angústia pela frente, apesar de no começo, como também sói acontecer, os pombinhos decidam se envolver só até certo limite, sem combinar antes com Eros, o deus do amor da mitologia grega que flecha os corações, provocando dores para além do afeto.

O diretor reserva para o terceiro ato a solução deus ex machina que não une o príncipe e a plebeia sem mais nenhuma margem para equívocos, preenchendo esse vácuo com o conflito étnico-cultural que quase mina a irrefreável atração de um pela outra. Stephanie Cayo corresponde à necessidade de uma mocinha sonhadora, mas determinada, superando as boas performances de Iglesias num filme tão sedutor quanto previsível.


Filme: Até a Próxima Vez
Direção: Bruno Ascenzo
Ano: 2022
Gêneros: Romance/Comédia 
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.