Baseado em um livro que vendeu 22 milhões de exemplares, romance da Netflix vai acalmar sua alma

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O coração é um porto de onde zarpam e aonde chegam milhares de sensações novas todos os dias. Não há nada mais corriqueiro na vida do homem do que a própria banalidade, uma batalha perdida que insistimos em travar com os fantasmas menos óbvios que habitam nossas profundezas mais inacessíveis.

Pensamos, uns mais, outros menos, mas todos, sem exceção, sobre se é possível voltarmos ao que fomos, se podemos ter outra vez os desejos que eram nossa própria essência. Perdemos horas de sono, que costumam se estender para o expediente de trabalho, elucubrando, tecendo digressões as mais insanas acerca de como teria sido nossa jornada se houvéssemos tomado essa ou aquela decisão a respeito de tal ou qual assunto.

“Gente que Vai e Volta” balança como se ao sabor do mar, alertando o público para um dos grandes riscos da vida adulta. A diretora Patricia Font fala aos solitários valendo-se de metáforas gastas, mas eficazes, evocando em cada um a angústia das decisões penosas da vida como ela é. Os roteiristas Darío Madrona e Carlos Montero adaptam “Gente que Viene y Bah” (2015), romance de Laura Norton, pseudônimo de uma autora espanhola que também dá contribuições pontuais no texto, mas prefere a falsa segurança do anonimato. No mínimo, um detalhe curioso aqui.

Bea é uma mulher bonita e autoconfiante que sobreviveu ao abandono do pai, um marinheiro que fez das ondas seu lar, graças ao amor de seus outros parentes, crescendo em tamanho e graça como deveria se passar com todo mundo. Ela tem a chance de estudar e, anos depois, Font coloca sua protagonista num futuro confortável, prestes a realizar o sonho de se tornar uma arquiteta de renome mediante a apresentação do projeto de um hotel de luxo em Barcelona.

Clara Lago é astuciosa ao revelar e esconder os predicados e fraquezas de sua anti-heroína, cada vez mais encantada com Victor, o noivo interpretado por Fernando Guallar, também seu colega de trabalho, que, finalmente, quiçá num impulso temerário ou num cálculo meio perverso, declara a vontade de desposar-lhe. O pedido, feito debaixo do chuveiro, é aceito na hora; contudo, antes mesmo que vá ao encontro dos investidores e empreiteiros de seu novo job, fica sabendo pela imprensa do caso de Victor com uma famosa repórter da TV. 

A diretora destaca o fato de Victor e a amante terem se conhecido por intermédio de Bea, o que, claro, desencadeia nela uma pletora de sentimentos, ora repulsivos, ora autoinsultuosos, todos de alguma forma ligados à raiva de si própria. Mas ela não leva desaforo para casa e responde à altura, perdendo o emprego de que tanto gostava e pelo qual lutara tanto, e levando a narrativa para seu mote central. A volta para cidadezinha onde nascera, agora administrada pela irmã Irene, de Alexandra Jiménez, guarda-lhe surpresas, agradáveis e nem tanto.

Numa dessas, conhece Diego, um empresário ambicioso que, como ela há não muito tempo, tem uma carta na manga para alavancar seus negócios no ramo da economia verde. Álex García fica imbatível ao volante de uma Mercedes rosa vintage, tudo o que um homem feito Victor abominaria. E por isso mesmo Bea logo está louca por ele.

Do segundo ato em frente é que a história ganha ritmo, contando com a química certa de Lago e García, mas dispensar a generosidade de Carmen Maura, de folga do posto de musa de Almodóvar. Nada de muito mais relevante acontece, e “Gente que Vai e Volta” não tem nada de mais. E ainda assim ninguém fica-lhe indiferente.


Filme: Gente que Vai e Volta
Direção: Patricia Font
Ano: 2018
Gêneros: Drama/Comédia/Romance 
Nota: 8/10