Emerald Fennell nos envolve com uma história intensa, frenética e apaixonante. “Saltburn”, sem dúvida, vai instigar e enlaçar você do início ao fim. Além de ser uma das apostas para o Oscar de 2024, é uma obra indispensável que deve ser assistida o mais rápido possível.
A trama começa de forma despretensiosa, mas já chama a atenção e se estabelece como um filme definitivamente autêntico. O enquadramento, a fotografia, os planos de câmera e a trilha sonora são tipicamente peculiares e se harmonizam de maneira envolvente.
A trilha sonora, com músicas eruditas e um repertório orquestral, confere um refinamento e uma característica única à obra, que, à primeira vista, mais parece um filme adolescente abordando os mesmos temas de sempre: drogas, descoberta sexual, amizades e amadurecimento.
De fato, o filme aborda todos esses temas, mas de uma maneira nada batida ou previsível. Pelo contrário. Os atores principais, ainda se consolidando no mercado cinematográfico, surpreendem cada vez mais, com destaque para a atuação de Barry Keoghan, que é um espetáculo à parte.
Com uma montagem que revela frames rápidos de algumas cenas do filme nos momentos iniciais, somos apresentados a Oliver (Barry Keoghan). Oliver é um aluno de Oxford reservado, discreto e gentil, mas pouco descolado. Sua diferença social em relação aos outros alunos dificulta sua aproximação com qualquer um. Além disso, o rapaz tem apenas um amigo, também considerado um nerd esquisito.
Certo dia, Oliver encontra Felix (Jacob Elordi) de maneira despretensiosa. Felix estava a caminho de sua aula quando o pneu de sua bicicleta fura inesperadamente. Ollie se oferece para emprestar sua bicicleta a Felix, e o rapaz fica extremamente grato pela atitude do colega. Após esse ocorrido, os dois começam a desenvolver uma bela amizade, tornando-se confidentes e inseparáveis.
Após algum tempo de amizade, Felix convida Ollie para passar as férias de verão em sua majestosa mansão em Saltburn. O rapaz aceita o convite, e a partir daí o enredo se desenvolve de forma intensa e cativante.
A diferença social serve de pano de fundo para todas as subtramas da história, apresentando Oliver como um menino pobre, ingênuo e bondoso. O jovem fica perplexo ao chegar a Saltburn, uma mansão luxuosa, com diversos cômodos e criados, repleta de artefatos históricos e muito dinheiro.
Logo a família de Felix é introduzida na trama, cada um com suas peculiaridades: Elspeth (Rosamund Pike), a matriarca de beleza impecável e com um certo ar de superioridade; Venetia (Alison Oliver), a irmã com transtornos alimentares e personalidade forte; Farleigh (Archie Madekwe), o membro da família que expressa completo desgosto por Oliver; Sr. James (Richard E. Grant), o patriarca atencioso; e o mordomo Duncan (Paul Rhys), que causa arrepios nos hóspedes.
A história toma novos rumos quando a personalidade de Oliver começa a se transformar. O menino ingênuo, cheio de traumas, problemas familiares e vítima de preconceito da sociedade, torna-se um jovem obsessivo, especialmente em relação a Felix. Oliver desenvolve uma paixão visceral pelo rapaz e se torna completamente obcecado por ele, a ponto de fazer tudo o que Felix deseja, observá-lo em qualquer local e desejá-lo intensamente.
Aos poucos, Oliver vai conquistando cada um dos moradores da casa, disposto a fazer o que for necessário para agradá-los. Isso inclui desde bajulações e elogios até relações sexuais repentinas. Assim, o prazer permeia a narrativa de todas as maneiras possíveis, tanto pelos luxos e vontades de cada morador que precisam ser atendidos, quanto pelas mentiras de Oliver para poder permanecer mais tempo na casa e pelo próprio prazer sexual que se manifesta em diversos momentos do filme.
A estética do prazer e da vida sem restrições, repleta de ostentação, é apenas a camada superficial da profundidade que existe por trás dos personagens, sobretudo do protagonista. Quando Felix descobre que Oliver é um mentiroso compulsivo, a trama adquire uma nova dinâmica. Um clima intenso de tensão se instala na casa, e Oliver é dominado pela culpa e por um terrível sentimento de tristeza.
A solidão psicológica de Oliver logo se transforma em solidão física e real, quando todos os moradores da casa começam a morrer de forma inesperada. A primeira vítima é Felix, cuja morte choca todos os moradores, incluindo Oliver. Em seguida, Venetia também morre, e a casa se torna vazia. A alegria, excentricidade e ostentação que dominavam o lugar agora são meras lembranças.
Após a série de perdas em um curto período, Sr. James oferece uma quantia para que Oliver deixe Saltburn, permitindo que ele e sua esposa vivam o luto em paz. Oliver aceita a quantia e desaparece por alguns anos.
Anos depois, lendo o obituário do jornal, Oliver descobre que Sr. James faleceu. Para sua surpresa, Elspeth está no mesmo café que ele e fica muito feliz em reencontrá-lo. Ela o convida para voltar à Saltburn e viver com ela, convite que Oliver aceita prontamente.
Em uma reviravolta, Oliver se revela como o verdadeiro vilão da trama. O personagem, antes gentil e agradável, transforma-se em um vilão cruel e impiedoso, capaz de destruir uma família inteira e assassinar todos os seus membros para conseguir o que queria. No desfecho, Oliver mata Elspeth e finalmente consegue o que desejava desde o início.
O fascínio de Fennell pelo incomum, bizarro e absurdo é nítido, mas é apresentado de forma surpreendente, rompendo com todos os clichês e técnicas fílmicas já estabelecidas pela indústria. Isso fica evidente mais uma vez na cena pós-créditos, onde Oliver dança totalmente nu pela mansão. A cena reforça, mais uma vez, o exagero, a intensidade e a peculiaridade demonstrados nas escolhas da diretora durante todo o filme.
O desfecho é como o último momento de um concerto: intenso, sublime e perfeito. Emerald Fennell, como uma boa maestrina, conclui tudo de maneira plena, resultando em um filme que é, sem dúvidas, uma excelente surpresa e uma joia rara do cinema contemporâneo.
Filme: Saltburn
Direção: Emerald Fennell
Ano: 2023
Gêneros: Thriller / Comédia
Nota: 10