Filme sobre autoconhecimento, solidão e a busca pela felicidade está na Netflix, e você ainda não o viu Divulgação / Koryphäen Film

Filme sobre autoconhecimento, solidão e a busca pela felicidade está na Netflix, e você ainda não o viu

Quando uma pessoa atingiria o ponto em que poderia se considerar realizada? Ter um bom emprego, uma casa, uma família com cachorro e tudo? Com a carreira de compositora de trilhas para filmes em ascensão, a cantora Selima Taibi, a Mogli, e o namorado Felix Starck, as figuras em torno das quais gira o documentário “Destino > Felicidade”, dispunham de tudo isso e não estavam satisfeitos, imaginavam poder desbravar a rota para outra plenitude. Fazer uma viagem seria o jeito de chacoalhar a pasmaceira da vida a dois e, de quebra, dar cara nova ao que conheciam apenas de longe.

Venderam o que tinham, empacotaram o pouco de que iriam precisar e saíram de Berlim, na Alemanha, decididos a cruzar boa parte do território setentrional do continente americano, da Carolina do Norte, sudeste dos Estados Unidos ao Canadá, descendo ao México na sequência, levando consigo Rudi, o boiadeiro-bernês do casal — um personagem responsável por algumas conclusões nada edificantes acerca da jornada de Mogli e Starck. Se nada corresse como o esperado, contudo, teriam ao menos uma boa história para contar aos netos: um dia, tiveram a coragem de procurar o destino com o qual todo mundo sonha.

O cuidadoso roteiro trata de capturar o interesse do espectador de imediato, dedicando vários minutos ao processo de conversão de um ônibus escolar na casa motorizada em que o casal viveu pelos próximos meses. Enquanto Starck arranca os bancos com um pé de cabra, instala placas de cortiça no assoalho e reforça a vedação das janelas, Mogli se ocupa da construção de um charmoso microbanheiro revestido de pastilhas verdes, tirando do fundo do baú da memória detalhes sobre quando se conheceram, numa travessia intercontinental em 2014, de bicicleta, durante a qual reuniram imagens para “Pedal The World” (2015), outro registro autobiográfico dos dois, a cargo dele.

Aos poucos, afloram as inconfidências no relato, a exemplo da frustração por não poderem usar drones para gravar nas Cataratas do Niágara, na fronteira entre o estado de Nova York e a província canadense de Ontário, o que desencadeia no público a incômoda sensação de um romantismo meio ingênuo demais. Mogli e Starck foram testemunhas de momentos em que a natureza permite-se flagrar em toda a sua mesmerizante crueza, como diante da imensidão do Grand Canyon, no Arizona, a chaga sem começo e sem fim da crosta terrestre, ou na Bacia de Badwater, no condado de Inyo, Califórnia, o ponto mais baixo da América do Norte, a 85,5 metros abaixo do nível do mar. No entanto, já no México, depois dos muitos solavancos nas rodovias tomadas por buracos, o encanamento foi se soltando e as goteiras passaram a ser uma questão. Só não mais grave que um outro problema que avultava.

A custo, Rudi habituara-se ao calor, mas o cotidiano desregrado, com variações extremas na alimentação e as instalações sem conforto, acabaram por minar a saúde do cão. Uma cena no encerramento deixa claro que o animal já não voltava para o ônibus com o mesmo entusiasmo do princípio, e algum tempo depois, Rudi precisou de atendimento veterinário, devido a uma giardíase severa que lhe exigiu dias de repouso e medicação na veia.

O sofrimento do cachorro põe muito da beleza de “Destino > Felicidade” a perder, e é inevitável se especular acerca do quanto existe de marketing na jornada de uma mulher e um homem adultos rumo ao desconhecido e ao autoconhecimento, uma publicidade mal-calculada e, como se viu, margeada de implicações éticas quase furtivas. Voltaram de avião para Frankfurt, no centro-oeste da Alemanha, largando o velho ônibus em que depositaram sonhos e algumas dezenas de milhares de dólares. Rudi, o verdadeiro final feliz, resistiu para ver encerrado esse ciclo.


Filme: Destino > Felicidade
Direção: Selima Taibi
Ano: 2017
Gêneros: Documentário/Aventura
Nota: 7/10