Em 2023, eu li apenas livros de mulheres. Isso começou como uma brincadeira, um desafio que impus a mim mesma, após saber que uma amiga tinha adotado essa mesma ideia no ano anterior. Existiram momentos nos quais tive vontade de desistir — um ou outro homem chamou minha atenção. Contudo, me mantive fiel à decisão e isso me trouxe muita felicidade. Descobri escritoras extraordinárias, vivenciei tristezas, reflexões e diversão em um ano repleto de emoções. No mesmo ano, 2023, tive um filho. Lui, meu segundo, nasceu em março. Relato isso porque sei que outras mães compreenderão. Afinal, um bebê, o puerpério, não são coisas que se podem ignorar, pausar ou adiar. Se eu ganhasse um real cada vez que ouvi “não sei como você consegue ler cuidando de um bebê”, teria enriquecido em 2023. No entanto, a literatura possui uma espécie de magia da qual eu não poderia abrir mão, especialmente neste momento. E foi nesse ano, imersa em obras escritas por mulheres, que encontrei nos livros escolhidos exatamente o que eu precisava.
O diário de uma mulher, casada, mãe de dois jovens adultos, em 1950, Roma. Demorei a iniciar a leitura por causa desta sinopse. Não acreditava que houvesse neste livro muito que pudesse me interessar, que dialogasse com as minhas questões. Não imaginava que fosse possível haver acontecimentos interessantes que sustentassem a narrativa ou que tratasse de temáticas atuais. Não poderia estar mais enganada. Logo no início, uma resposta aos meus preconceitos: “Mas desde que, por acaso, comecei a manter um diário, percebo que uma palavra, um tom, podem ser tão importantes, ou até mais, do que os fatos que estamos habituados a considerar como tais. Aprender a compreender as coisas mínimas que acontecem todos os dias talvez seja aprender a compreender realmente o significado mais recôndito da vida”.
Este livro, que, vai por mim, você precisa ler, faz uma reflexão profunda sobre o que é ser mulher hoje. Descrevendo acontecimentos e pessoas, com sutileza e delicadeza, Alba de Céspedes nos evidencia um mundo machista sem, em nenhum momento, levantar alguma bandeira. Ao contrário do que possa parecer aqui na minha recomendação, o livro não tem nada de panfleto feminista — trata-se de um romance de altíssima qualidade que mergulha nos temas que se propõe, indo muito além de discussões rasas e frágeis. E a forma encontrada para obter este efeito é fantástica: a linguagem simples e direta.
O “Caderno Proibido” é, pelo menos neste momento, o livro que eu gostaria de ter escrito.
Descobri Rosa Montero com o excelente “A Ridícula Ideia de Nunca Mais te Ver”. De Rosa Montero, também li e gostei dos romances “Instruções para Salvar o Mundo” e “A Boa Sorte”. Mas sua habilidade para escrever biografias é o que mais me chama a atenção. São textos que, num estilo muito particular, entrelaçam opinião e informação. Em “Nós, Mulheres”, Rosa Montero nos apresenta e nos guia pela história de mulheres que marcaram o mundo. Foi um dos livros mais interessantes que li neste ano.
Há tempos queria ler Annie Ernaux. Decidi começar com o livro que a própria autora recomenda — aquele em que ela encontra sua voz. Em “O Lugar”, já se encontra a escrita crua, direta, sem rodeios ou floreios.
O luto é um tema que me atrai muito, mas posterguei a leitura de “O Ano do Pensamento Mágico” porque sabia que não seria uma leitura leve ou divertida. E realmente não é. A história vivida por Joan Didion é extremamente triste e dolorosa, e seu relato não é poético. Como em um fluxo de sentimentos e pensamentos de alguém que tenta processar um trauma, Didion detalha os acontecimentos que circundam o adoecimento de sua filha e a morte de seu marido.
“A Visita Cruel do Tempo”, o livro anterior de Jennifer Egan, me marcou profundamente. Entrelaçando personagens e épocas, Egan cria histórias impactantes. “A Casa de Doces” é uma espécie de continuação, na qual podemos rever personagens que vivenciam novas situações. Os questionamentos sobre o sentido da vida, o valor dos relacionamentos e o impacto do desenvolvimento tecnológico e do avanço da humanidade estão presentes em ambos os livros.
Em 2021, me apaixonei por Andréa Del Fuego. “A Pediatra” foi, sem dúvida, o livro mais divertido que li naquele ano. Com “Os Malaquias”, percebi que meu amor por Andréa Del Fuego é genuíno. Ela transita por estilos tão diversos com uma desenvoltura impressionante. Terminei o livro sabendo que lerei com prazer qualquer livro dela.
Havia uma dúvida — não lembrava se já havia lido Agatha Christie. Ignorando as opiniões bobas de que seria “literatura menor”, escolhi “E Não Sobrou Nenhum”, romance que recentemente mudou de nome (era “O Caso dos Dez Negrinhos”). O livro me fisgou. Aquela leitura que você não quer parar e que surpreende, com reviravoltas inesperadas e um final bem amarrado, sem pontas soltas. Também adorei ler a pequena biografia de Agatha Christie no interessante “Nós, Mulheres”, de Rosa Montero, que também indico nesta retrospectiva.
“A Corneta” está na moda. Vários conhecidos leram, e, por fim, ganhei meu exemplar de presente de Isadora Vilela, que me conhece muito bem como leitora. Conto isso porque acredito que “A Corneta” não é uma leitura para qualquer um. É um romance surrealista de difícil classificação dentro de um gênero literário. O livro inclui um posfácio de Olga Tokarczuk, que entrelaça detalhes da vida da autora, resultando numa reflexão sobre o feminismo. Confesso que fiquei esperando, neste texto final, uma análise mais aprofundada sobre algo que me chamou a atenção no romance: a reflexão sobre a velhice e uma possível relação entre o mergulho surrealista que Leonora Carrington nos proporciona, num comparativo com o avanço da senilidade da protagonista.
“Sou, então, uma ‘enervada’; e tudo isso que me atormenta de dia e de noite, esse turbilhão de pensamentos, essa ânsia de aproveitar a vida, de não perder um bom momento dela, de amar exaltadamente, de depois aborrecer-me fastidiosamente com o que ontem adorava, são os sintomas dessa doença que me atingiu sem que eu soubesse o nome?” Escrito no início dos anos 1920, o livro é um dos tesouros mais bem guardados da literatura brasileira. Uma leitura garantidamente divertida.
Não sou uma superfã de contos e tenho alguma dificuldade com livros deste gênero — acabo achando que o aproveitamento é baixo entre os contos bons e ruins. Porém, este livro me surpreendeu pela consistência da autora. A temática é a dor, o luto, o amor e o que acontece entre uma coisa e outra. Um dos contos, “A Cabeleireira”, é uma verdadeira joia.
Conheci Banana Yoshimoto por meio do excelente “Kitchen”. A autora, com um ritmo característico da literatura japonesa, nos transporta de forma sensível e tocante para dentro do livro, com descrições, imagens e passagens memoráveis.
O livro interliga histórias de três gerações de mulheres — avó, mãe e neta — abordando conflitos, a luta pela sobrevivência, a dor de não ter escolha e a necessidade de aceitar os rumos da vida, que não foram originalmente planejados.