2023 foi o ano que embaralhou meu roteiro: não atingi aquela meta sonora de 100 livros, mas quem disse que a vida segue um plano? Com a chegada do meu segundo pequeno milagre, aos 46 anos, as noites se transformaram numa ciranda inesperada, mas, mesmo no meio do caos de fraldas, consegui me embrenhar em uma maratona literária de 90 livros.
Sem sombra de dúvida, o livro que mais marcou foi “O Passageiro”, de Cormac McCarthy, contando a saga de Robert Western, um ex-piloto que se tornou mergulhador, e suas reflexões sobre culpa e redenção. A morte de McCarthy em junho trouxe um significado ainda mais profundo para o livro. Destaco também “Ioga”, de Emmanuel Carrère, uma abordagem autêntica visceral contra a depressão, entrelaçando sua experiência pessoal com os eventos atuais de forma íntima e marcante.
E não dá para deixar de lado “Caderno Proibido”, de Alba de Céspedes, que me levou para as ruas de uma Roma dos anos 1950. Uma viagem ao passado que chegou de surpresa e foi muito bem-vinda.
Cada leitura foi uma porta para mundos diferentes, não só oferecendo um escape do cotidiano, mas também momentos de reflexão que ecoaram — e seguem ecoando — comigo, muito além das páginas.
“Sofrer faz parte da condição humana e cumpre suportar o sofrimento. Mas ser infeliz é uma escolha.” O livro narra a saga de um homem perdido pela culpa, tristeza, loucura e solidão. Robert Western é um ex-piloto que ganha a vida como mergulhador. Seu pai foi um físico que ajudou a criar a bomba de Hiroshima. Sua irmã — a única pessoa que ele amou verdadeiramente, numa relação incestuosa que perpassa toda a história — matou-se em um manicômio. Tentando juntar os destroços do que restou de sua vida e atormentado pela ausência da irmã, Western tem sua vida pessoal devassada logo após testemunhar um mistério enquanto mergulhava: o desaparecimento de um passageiro em um naufrágio. Cada capítulo se inicia com trechos em itálico, nos quais sua irmã narra suas memórias e alucinações. Em paralelo, dezenas de histórias são contadas, desde a construção da bomba atômica até a Guerra do Vietnã, do assassinato de John F. Kennedy à morte de amigos próximos. De uma beleza assombrosa, mas também com respiros cômicos: “Os antigos diziam que há verdade na uva. Deus sabe que procurei. Suponho que, quando um homem está enjoado de buceta, é porque está enjoado da vida”, Cormac McCarthy construiu uma ópera — elusiva, econômica e complexa. Um romance visceral sobre a moral, o amor desenfreado, a vida, a morte e o esquecimento: “Estou querendo dizer que a passagem do tempo significa irrevogavelmente a sua própria passagem. E depois nada. Imagino que deveria ser um consolo compreender que ninguém pode ficar morto para sempre.”
Carrère relata sua luta contra a depressão, desencadeada após um retiro de silêncio e agravada pelo ataque terrorista ao Charlie Hebdo, que levou à morte de um amigo. Ele descreve sua jornada emocional, desde a paz interrompida até a internação hospitalar.
Uma mulher romana dos anos 1950 narra sua vida em um diário, expressando seu conflito entre as responsabilidades de mãe, esposa e funcionária, e sua busca por identidade própria em um casamento monótono.
Gaston e Max, amigos em uma península colonizada, enfrentam desafios pessoais e misteriosos eventos envolvendo extraterrestres e conspirações. A narrativa abrange várias tramas paralelas, incluindo especulação imobiliária e misticismo.
Um jovem rural asiático enriquece com uma empresa de água engarrafada, em uma narrativa que satiriza manuais de autoajuda e explora temas de amor, cobiça, redenção e traição em sociedades emergentes.
Baseado em fatos, o livro recria um violento assalto em Buenos Aires e suas consequências brutais em Montevidéu, explorando temas de crime, corrupção e violência.
Uma crítica feroz e humorística da intelectualidade austríaca, narrada por um personagem que expressa seu desdém e misantropia durante um jantar artístico, refletindo sobre as relações sociais e culturais.
Teo, ex-dono de uma banca de tacos, vive em um prédio para idosos e reflete sobre a velhice, a literatura e a vida familiar, enquanto lida com as peculiaridades dos outros moradores.
Em meio ao Salazarismo em Portugal, o jornalista Dr. Pereira reavalia sua vida e crenças ao contratar um jovem resistente italiano, desencadeando uma transformação pessoal e política.
O romance de Sanches Neto descreve a Colônia Socialista Cecília, onde italianos tentam viver segundo o anarquismo. Foca em Giovanni Rossi e seu poliamor com Adele, mostrando os desafios da colônia, como egoísmo e a tensão entre ideais anarquistas e emoções humanas.
Um grupo de ex-circenses estabelece uma sociedade alternativa em um vilarejo mexicano, onde cada um assume um papel social específico, desafiando conceitos de normalidade e comunidade.
Um conto do romantismo alemão centrado em Nathanael, atormentado por medos infantis e uma obsessão por uma figura sinistra, culminando em uma luta entre sanidade e loucura.