Às vezes, começo janeiro fazendo uma listinha de livros para serem lidos ao longo do ano. Nunca dá certo. A lista sempre muda. Esse ano, por conta de obrigações acadêmicas, nem passou na minha cabeça fazer listinha. No entanto, as leituras indicadas nas ementas das disciplinas foram encargos prazerosos, já que algumas delas figuram nessa seleção de doze livros. Também li recomendações de amigos, lançamentos recentes, livros que descobri por aí, na maioria das vezes me guiando por uma preferência estilística, narrativas que de alguma maneira dialogam com o que ando escrevendo e, claro, alguns remanescentes da listinha do ano retrasado — ou de 2021? Não tenho certeza. Nunca começo o ano fazendo uma listinha de livros preferidos, ainda que goste de ver as listas dos outros, mas agora que fiz, custa nada dizer aquele clichê inevitável: toda lista é mutável, amanhã minha opinião pode mudar.
Pode ser que o impacto se deva ao fato de este ter sido um dos últimos livros que li no ano. Não sei. Sei que hoje, agora, só consigo julgar “O Esplendor de Portugal” como um livro extraordinário. Difícil imaginar um escritor sério que se proponha a celebrar os esplendores de seu país pura e simplesmente. Para quem conhece Lobo Antunes, então, a ironia é óbvia. Trata-se de uma narrativa polifônica sobre a trajetoria e a decadência de uma família proprietária de terras na Angola, ou seja, que transita pelo esplendor do império português com suas colônias africanas até o fim da ditadura salazarista, a guerra da independência e o retorno dos colonos a Portugal. Lobo Antunes dá voz ao colonizador que não se conforma com o fim do seu domínio e que, ao voltar a Portugal, se vê jogado em uma espécie de entre-lugar, porque não é abraçado pelo seu país, passa a ser visto como fracassado, mestiço, estigmatizado por uma sociedade que tentava esconder sua existência. O que mais impressiona no romance, no entanto, é a sua construção. Cada membro da família expõe sua perspectiva por meio de parágrafos interrompidos por frases que vão se interpondo e formando um quebra-cabeça de vozes, percepções, lembranças. O enredo se constrói coletavamente através das exposições dos membros da família e a trajetória de cada um — e da família, de uma forma geral — é movida pela força do passado, que não é apenas um pano de fundo para o romance, mas elemento importante para as intenções do autor, já que interfere claramente no destino dos personagens.
Uma autora que aposta alto porque busca sempre uma linguagem inventiva, peculiar. Nesse livro, ela mistura realidade, ficção, gênero, arte e luto em um livro protagonizado por uma adolescente — uma millennial — e um pintor renascentista.
O mestre da arte do insulto. Afinal, não é todo mundo que chama Heidegger de pudim insípido.
Uma coletânea de entrevistas de um autor que se mostra, ao mesmo tempo, lúcido e obsessivo em relação às suas percepções e intenções na literatura.
Com uma prolixidez sedutora, que até lembra Thomas Bernhard só que com um ódio mais resignado, André Sant’Anna reúne nesse livro conto, ensaio, crítica e até uma peça de teatro e mostra o tamanho da merda onde a gente está.
O mosaico de um luto que não cessa. Cláudia Lage mescla diálogos, cartas, relatos e vozes narrativas num balé literário muito bem construído impulsionado pelas perversidades da ditadura militar.
Reflexões da autora sobre a experiência da mãe nos campos de concentração nazista de Auschwitz e Bergen-Belsen. Noemi retoma o passado e, através dos diários da mãe, aponta para os ecos do Shoah nas vivências cotidianas, nas relações familiares e até mesmo na linguagem.
Parece que foi escrito ontem. E muito bem escrito.
A última paixão de um homem não tão dado a paixões de qualquer tipo. Mas não só.
As idealizações e os impasses no rescaldo da ditadura recém terminada. Existem tesouros a serem descobertos — ou redescobertos? — na obra do Tezza.
Narrado pela própria cidade onde a história se desenrola, “As Lembranças do Porvir”tenta conhecer — e a escolha do narrador é importante para isso — as condições que fazem do presente uma situação aparentemente incontornável. Garro mergulha no conflito para compreender as relações que fizeram da América Latina o que ela é.
Ironia, amargura, fúria, solidão, com um exagero extremamente agradável de se ler, pra mostrar a frustração de um personagem com tudo aquilo que serviu para constituir a sua própria vida.