Para mim, foi um ano profícuo em leituras, com uma certa desaceleração do final do ano, porque bateu uma preguicinha e vontade de curtir mais outras coisas mais ociosas. No entanto, consegui chegar aos 66 livros lidos, incluídos aí uns dez de poesia, para os quais dispendo menos tempo, e algumas releituras. Atravessei “Os Irmãos Karamázov”, de Fiódor Dostoievski, que é um clássico da literatura mundial, autor de quem já havia experimentado “Crime e Castigo” e “Noites Brancas”. Outro livro que gostei muito foi “O Sol é para Todos”, da estadunidense Harper Lee, um livro impactante e que conta bem uma história de segregação racial e social. São dois livros bem recomendados e, depois da leitura, reitero. “O Sol é para Todos” é do início da década de 1960 e, sem ser uma literatura engajada, mostra com maestria a grande dimensão que foi a luta dos negros dos Estados Unidos contra a discriminação, o preconceito e a depreciação social de que foram vítimas. “Karamázov” é a retratação clássica do que é uma família com todas suas diatribes e disputas, envolvendo herança, amor, traição e disputas. Considero-o um livro/aula para quem gosta de literatura. Portanto, indispensável. Nesta listagem estão também: “Vaca de Nariz Sutil”, de Campos de Carvalho, “Um Amor Anarquista” e “Chove Sobre Minha Infância”, ambos de Miguel Sanches Neto, “Ninguém Precisa Acreditar em Mim”, de Juan Pablo Villalobos, “Germinal”. De Émile Zola, “A Vida Futura”, de Sérgio Rodrigues, “Cerrado — a Constelação do Meio Dia”, de Altair Sales Barbosa, “Chuva de Papel”, de Martha Batalha, “Obra Completa de Murilo Rubião” (releitura), “Um Artista do seu Tempo”, de José Fábio da Silva (releitura), “O Ócio Criativo”, de Domenico de Masi, “Porque Lulu Bergantim não Atravessou o Rubicon”, de José Cândido de Carvalho, “Atirador de Facas”, de Solemar Oliveira, “Ver de Novo o Mar”, de Renan Alves Melo, “Tamarindos”, de Pablo Mathias, “Nova Antologia Poética”, de Afonso Félix de Sousa”, e “Como me Tornei Estúpido”, de Martin Page.
Vivo tentando aprender a quantificar o que é um melhor livro, mas certamente “Chove Sobre Minha Infância”, de Miguel Sanches Neto foi o que mais me tocou e eu considero isso uma coisa muito boa e serve para atender o critério. Não é um clássico, mas um livro que me pegou, pela coragem do autor em falar de um tema íntimo de uma maneira tão aberta e insidiosa, onde a crueza da realidade da vida dele, que pode ser (e certamente é) a de muitos brasileiros, é desnudada com clarividência e de uma forma atraente. É aquele tipo de livro do qual o leitor não quer se separar, muito menos se desapegar e, quando termina a leitura, fica querendo mais. Dele, e citei antes, gostei também de “Um Amor Anarquista”, sob a boa verve do autor falando da tentativa de implantação de uma comunidade anarquista no interior do estado do Paraná no final do século 19.
O autor é da vanguarda da literatura nacional e usa uma linguagem envolvente e sutil (sem redundância), para contar estórias que parecem desencontradas, mas trazem em si um cunho anarquista de grande sofisticação. O autor é fundamental também com “O Púcaro Búlgaro” e “A Lua Vem da Ásia”, que li anteriormente.
Esse jovem autor mexicano segura bem o leitor com uma escrita fácil, envolvente, numa trama que cativa e seduz, onde muitas vezes a crueldade explica o que somos.
É um clássico da literatura, que mostra a luta de mineiros no século 19 contra a exploração dos patrões e as más condições de trabalho. O sofrimento aqui vai ao extremo, para explicar uma luta que nunca vai acabar, pelo menos na perspectiva do capitalismo.
Não é fácil resumir um livro sobre a defuntagem de José de Alencar e Machado de Assis, que retornam ao Rio de Janeiro em 2020, para reviver as esculhambações do nosso tempo na pena exuberante do autor. Um trisco do capítulo IV — Meditação numa beira de cúmulo — resume bem: “meditei que um dos defeitos mais gerais entre nós, brasileiros, é achar sério o que é ridículo, e ridículo o que é sério”.
Esse livro é, na verdade, uma aula exuberante sobre o cerrado brasileiro, pois o autor é um dos maiores conhecedores do tema.
Gosto da autora desde que li “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”. Em “Chuva” ela narra, com maestria, a realidade vivida por um repórter policial no Rio de Janeiro, prendendo o leitor com muito do que daí advém em mirabolâncias e reticências.
Fiz uma releitura desse que considero um dos maiores contistas brasileiros. Leio os outros, mas aprendo mais com os mestres e Murilo Rubião é um desses.
Li no original e fiz uma releitura agora, para tentar entrar com mais acuidade no mundo distópico desse livro, onde as estórias se entrançam. As ironias nele contidas valem as coisas que não têm preço.
A coincidência é a de que ao terminar a leitura o autor morreu. Adiei muito, mas sempre acompanhei o autor, por gostar de suas ideias. Acredito piamente que os autores precisam vadiar para criar. É isso.
Quem me acompanhou até aqui já percebeu que adoro escrotagem, porque acho que é por onde cresço em irreverência. O autor é fenomenal e conta, em pequenas histórias, situações de insolências ímpares ou pares.
Em contos curtos, o autor provoca, diverte e nos põe para refletir. O autor já se consagrou com “Breve Segunda Vida de Uma Ideia”, também de contos. Este ano vi aparecerem pelo menos dois novos bons autores de contos em Goiás: Renan Alves Melo, com “Ver de Novo o Mar” e Pablo Mathias, com “Tamarindos”.
Reli, porque gosto de acompanhar os bons, quando posso. O autor, goiano, é fundamental na poesia brasileira. Quero dissecá-lo mais e melhor.
Esse é um livro que vai para a minha cabeceira, porque é de uma irreverência deliciosa. Todo rabiscado, porque rabisco o que gosto, ponho aqui, para resumir, dois desses rabiscos: “Quero um tratamento radical: ser babaca será a quimioterapia da minha inteligência”. “Sendo estúpidos, somos mais felizes. A intenção não é incorporar o senso da idiotice, mas os elementos benéficos que aí flutuam como oligoelementos: a felicidade, certo distanciamento, capacidade de não padecer da minha empatia, uma leveza de vida, de espírito. A indiferença!”