Às vésperas da velhice, sem nenhum serviço obrigatório de leitura, pois já não faço crítica militante nem leciono, o meu interesse como leitor está cada vez mais orientado por minhas inquietações como escritor, totalmente fora de qualquer debate externo à produção literária a que me dedico de forma um tanto autista. Assim, entre leituras e releituras, gastei as melhores horas deste já finado ano percorrendo páginas que também pudessem me ler, me fazer entender que eu eu sou neste momento em que a defesa da arte e da educação intelectual está prejudicada pelo ativismo de todas as facções de salvadores do mundo. Neste contexto, a verdade pessoal sobre a literatura só pode ser expressa em diários íntimos, que mantenho como uma identidade indigna. É destes diários que retiro as indicações abaixo, declaradamente idiossincráticas.
Todos os livros que li até o final são os melhores livros que li, porque nesta fase em que me encontro não termino obras que não sejam interessantes. Dentre estas, elejo a mais importante, porque serve como um antídoto para as frases de camiseta e as lições de cartilha em que se transformou o pensamento criativo: o volume “Sobre a Escrita” (Harper Collins, 2023), com as cartas de Charles Bukowski dirigidas principalmente a seus editores. O volume mostra a construção do escritor a partir de pequenas revistas e depois de uma editora periférica, a Black Sparrow Press, que tinha um editor com alma — sim, eles existem. Nestes documentos de sinceridade, o Velho Safado defende o direito de expressar todas as faces da humanidade: “Um homem pode escrever uma história sobre mulheres chatas sem odiar mulheres”. “Pela primeira vez na história não estamos em uma guerra de nação contra nação, mas de cor contra cor — Branco, Preto, Marrom, Amarelo”. Ele exerce a vocação maior do artista: registrar e não pregar verdades consagradas — para escândalo dos pastores e das pastoras das diversas seitas sociais do momento.
Ao mesmo tempo em que conta a vida comum das pessoas de Chaville, nos arredores de Paris, o autor tece conjecturas para se vingar de uma jornalista que fez uma matéria falsa sobre o envolvimento de mãe dele com o nazismo.
O senhor Pereira se debate entre a velha literatura, que lhe dá um cargo na imprensa cultural portuguesa na década de 1930, e a adesão à revolta pela palavra, o que o coloca em sintonia com o presente.
Romance autobiográfico, em que o narrador busca a estabilidade emocional em um retiro interrompido pelo ataque ao jornal “Charlie Hebdo”. Jogo entre unidade do eu e crise bipolar.
Contos espetaculares, em que um narrador convive com drogados, falidos, bêbados, prostitutas, integrando-se a eles nesta queda no mais trágico (e belo) do humano.
Reportagem biográfica sobre Silvina Ocampo, em que a autora não a vê como vítima do patriarcalismo representado pelo marido (Bioy Casares) e por Jorge Luis Borges, mas como uma escritora que escolheu habitar a sombra.
O livreiro da já lendária Realejo, de Santos, apresenta em crônicas rabugentas e divertidas a resistência das livrarias de rua
Último volume da trilogia sobre o menino (adotado por pais atormentados por culpas) que quer continuar órfão, ao lado dos demais, em sua sina de cordeiro imolado.
Esta coletânea de contos talvez seja o melhor livro do escritor, em que sua capacidade de imaginar o maravilhoso é controlada por sua própria biografia.
Estudo sobre a estratégia política de apagamento do mestiço na cultura brasileira, nosso maior grupo étnico, responsável por quase tudo que conhecemos como cultura africana.
Autoficção dolorosa sobre a morte do pai e a reconstrução de uma genealogia judaica a partir das mulheres da família.
Romance que explora os segredos acidentalmente descobertos pelo narrador solitário sobre um grupo de contraventores depois da Segunda Guerra Mundial.