2023 não me foi um ano de leituras inesquecíveis, retumbantes, se falarmos daqueles livros em que você entra neles e sai outra pessoa. Na verdade o único livro capaz de fazer isso na vida de alguém é o livro de ocorrências em uma delegacia policial, mas felizmente não foi o meu caso. De todo modo fiz algumas descobertas bastante agradáveis, outras nem tanto — nada que eu possa dizer que tenha se configurado em uma experiência transformadora. Imagino que tenha sido o Millôr — me corrijam — que disse uma vez: “Se quiser literatura científica, fique com os livros mais atuais; se quiser ficção, prefira os mais antigos”. Jamais diria que em 2023 eu não descobri nada de ótimo em leituras inéditas, mas confesso que não me marcaram, abre aspas, indelevelmente, como em anos anteriores. Tudo indica que eu relerei tudo e mudarei de ideia, como sempre. Vamos a elas.
O melhor livro que li em 2023 não foi um livro de 2023. Na verdade é de 1963, o ano, vejam só, em que nasci. Trata-se de “A Redoma de Vidro”, primeira experiência em prosa da grande poeta americana Sylvia Plath, e posso assegurar que ela devia ter começado antes. Ou não, vai saber; só acho que gostaria de ter lido a Plath prosadora ainda jovem, porque bastante jovem é Esther, a protagonista do romance, numa pegada narrativa que lembra bastante J. D. Salinger (aliás, lembro que chegaram a compará-la ao “Apanhador no Campo de Centeio”). Se Esther não chega a ser um Holden Caufield de saias, às vezes se sai melhor que ele, como personagem. Um traumatizante rito de passagem à idade adulta (qual não é?) atravessando os transtornos de personalidade e de comportamento que inclusive marcaram também a psiquê da autora. Deverei — como faço sempre que um livro me pega — relê-lo anualmente, pra conferir se continuo gostando tanto quanto gostei da primeira vez. E é sintomático que “A Redoma de Vidro” tenha sido a primeira e única experiência da autora em prosa: foi exatamente um mês depois da publicação do livro que Sylvia Plath se matou.
Uma série de contos que merecem o título — cortantes, secos, rápidos, cínicos. Um retrato do interiorzão da Virgínia Ocidental na década de 70, com excelente tradução de José J. Veiga.
A história de Lee Harvey Oswald contada com a verve e a inventividade de DeLillo, virando do avesso a dinâmica das teorias de conspiração.
Sim, o mesmo Mamet do cinema e do teatro, em sua primeira incursão na literatura, falando de uma pequena aldeia como se falasse do mundo, como sempre deve ser. Uma boa surpresa.
Estava me devendo essa leitura fazia tempo. Uma comédia policial sobre um homicídio um tanto insólito e onde o narrador é o próprio criminoso.
A mesma Harper Lee de “To Kill a Mockingbird”, dando sequência à história, com a protagonista, Scout, já adulta, voltando à cidade natal, visitando o pai e revisitando algumas memórias um tanto empoeiradas.
A primeira biografia de Borges que li, e confesso não precisar de mais nenhuma. Precisa, objetiva, sem gorduras nem bajulações a um autor que já é gigante por natureza.
Emulando a pena de Machado de Assis, Sérgio faz com que o espírito dele e o de José de Alencar voltem ao Rio de hoje para dirimir questões identitárias. Diversão garantida.
Com clara inspiração em Ítalo Calvino mas com pulso e personalidade próprias, Torero juntou contículos deliciosos em um pequeno grande livro.
Já tendo lido a famosa autobiografia, agora conferi esse retrato sem firulas de Winston Churchill na terceira pessoa, que, longe de neutralizar sua grandeza como personagem histórica, revela seu lado humano, demasiado humano.
Já que falei de alguns autores aqui experimentando formatos novos, não resistir a conhecer o lado prosador do maior dramaturgo norte-americano (tá, Eugene O’Neill chega perto). Não assombra, mas compensa.
Faltava-me conhecer com profundidade, dos heterônimos pessoanos, justamente Caeiro. Já era familiarizado com poemas soltos, e pela primeira vez conferi a obra completa. Outro livro a ser lido ano após ano.