Ficaram para trás os tempos de fúria e da peste. Na pandemia de Covid-19, caiu a ficha para muita gente de que o mundo havia virado uma distopia ao vivo. E a literatura seguiu o espírito daqueles dias. Em 2023, na etapa seguinte do nosso videogame, chegou a hora de reiniciar o jogo, juntar os cacos e repensar um monte de questões. O que de mais interessante surge são atualmente as histórias das periferias, dos cantos escondidos do mundo, seja aqui no Brasil, seja na China (muita coisa boa surge e vem de lá). Teve escritor experiente decifrando a Amazônia, teve escritora negra das quebradas de São Paulo dando a letra, falando a real. Três decanos do pensamento brasileiro soltaram livros quase ao mesmo tempo: críticos literários vivos. Não há mais a urgência do vírus. A aflição, a emergência, aparecem nas obras que colocam o dedo dentro das feridas.
“Jardim Botânico”, do brasileiro Nuno Ramos. O autor é artista plástico renomado e compositor de sambas modernos. Tem a melancolia de um Nelson Cavaquinho e o silêncio de um Samuel Beckett. Cada livro dele traz uma esquisitice nova. Um sujeito múltiplo: mínimo na escrita e máximo nas instalações artísticas, porém sobretudo incomum. Esse “jardim” pode ser lido como longo poema de 43 partes, por 61 páginas. Ou uma coleção de 43 poemas curtos. Do que falam os poemas? Melhor pensando: bom mesmo é a forma como eles falam. É o poeta expondo o seu “sentimento do mundo”, de como seu coração conversa com o mundo, as coisas e as palavras. Plantas são criadas na escrita. Ele fala, fala, e de repente solta na página 40: “Caralho, como estou sozinho”. Aparecem os fantasmas da mãe, do pai, a figura de uma cachorra. A escrita do livro se dá numa estadia em Berlim. Surgem refugiados da Ásia que se matam para chegar à Europa. As lembranças da vida brasileira estão presentes em cada linha: por exemplo, a onça incinerada pelas queimadas recentes do Pantanal. Quem pensa e se perturba com ideias, está sempre sozinho. Mas cria uma conversa com o leitor.
Um narrador vaga pelas ruas de São Paulo e expõe sua perplexidade com a vida. Ele está doente e com a sombra da morte por perto. E vê um país em seus instantes finais.
O filho reconstitui a trajetória do pai que está doente, em tratamento médico. A partir daquele homem, é contada a história dolorida de uma família e de um país.
A volta de escritora que se expressa com o dedo em riste. Não ouse desafiá-la. Destaque para o conto final no qual o narrador visita a família de um amigo morto.
Os traumas de ditadura militar ainda rendem bons livros e boa escrita. Aqui, aparecem os idosos, suas perdas e suas lembranças de tempos muito sofridos.
A voz de quebrada, de uma mulher negra, pode inventar uma linguagem nova para a literatura brasileira. Foi assim com a canção popular reinventada pelo rap.
O narrador reconta a história de uma viagem sua com o pai pela Amazônia da década de 1970. É o fio da meada que nos levou aos anos recentes de fúria e destruição do país.
Coletânea de textos do crítico literário que interpretou o Brasil a partir dos romances de Machado de Assis. A introdução é uma joia escrita pelo italiano Franco Moretti.
Se aproximando dos 90 anos de idade, o escritor veste sua roupa de crítico e reúne seus textos mais recentes que tratam do Brasil no mundo e até de Joan Didion.
Também decano da crítica, o autor aprofunda leituras sobre Euclides da Cunha e Gilberto Freyre. O capítulo bônus é uma ótima análise da escrita na era digital.
As transformações da política na era digital são magistralmente desvendadas neste livro. Obra para que não acredita que as plataformas digitais são neutras.
Um mergulho no Brasil contemporâneo das periferias, com suas novas religiões e a entrada em cena das armas de fogo na vida social do país.