Suspense na Netflix vai te manter hipnotizado e preso à tela da TV até o último segundo Divulgação / Global Film

Suspense na Netflix vai te manter hipnotizado e preso à tela da TV até o último segundo

A estética é uma das maiores qualidades de “Summit Fever”. Pouquíssima gente no mundo encontra alguma diversão em subir uma montanha, e a atividade, além de energia e convicção, requer meses de planejamento, cálculos, treinos e uma aflorada capacidade de se pensar em eventuais soluções alternativas — ou seja, deixar-se tomar pela tal febre do cume, a ânsia por chegar ao topo de qualquer maneira e no menor tempo, é o atalho para o desastre.

Esse é o grande paradoxo que move os 115 minutos do filme de Julian Gilbey, nos quais entranha cenas de beleza perturbadora que, cedo ou tarde, desembocam nos acidentes graves que colhem um tiro de alpinistas no sonho meio obsessivo de escalar três das formações mais elevadas dos Alpes, a face sul do Monte Branco, 4.792 metros acima do nível do mar; o Matterhorn, com 4.478 metros; o Eiger, o “menorzinho”, e seus 3.967 metros. Perspicaz, o diretor-roteirista consegue distribuir sua história pelas cenas em que a empolgação tão abstrata deles é cercada pela imponência das cordilheiras, uma adversária silenciosa e inclemente.

Jean-Paul e Michael talvez sintam que têm de afastar da única coisa que faz suas vidas ganharem algum sentido. Os dois surgem na tela escalando um paredão de rocha, modesto para os padrões do que estão acostumados e ainda mais inofensivo se se toma por comparação a façanha que tentam depois, amaciado pela vegetação exuberante, como se numa despedida sem lugar para palavras finais ou choro envergonhado. Mas Jean-Paul, o ardiloso personagem de Michel Biel, tem uma carta na manga. Como um anjo torto, daqueles que nos acompanham nas horas em que a serenidade pode ceder lugar ao desvario no espaço de um instante, ouve Michael dizer que vai para Londres trabalhar na seguradora de um amigo da família, mas deixa no ar que no verão seguinte vai, com ou sem ele, para Chamonix, na fronteira da Suíça com a França e a Itália, tentar a sorte mais uma vez. Gilbey prefere, acertadamente, dar essa imensa volta, mostrando Michael completamente sufocado na atmosfera brumosa da capital do Reino Unido, a onze metros de altitude, enfiando a cara entre monitores e relatórios e ouvindo desaforos e dos virtuais clientes que tenta prospectar. Freddie Thorp revela-se uma grata surpresa, marcando bem a frustração de seu anti-herói, que em contraste com o que mostra em meio aos perigos da outra selva, de pedra e neve, torna-se outro. Torna-se quem de fato é.

Quando os dois estão, afinal, em Chamonix, junta-se à dupla o guia Leo, “o velho”, um californiano radicado na cidade que, evidentemente, também prefere o frio e alturas quase invencíveis. Meio sumido, Ryan Phillippe continua em plena forma, física e artística, encarnando, sobretudo no terceiro ato, os lances verdadeiramente dramáticos do filme, depois que a arrogância de Jean-Paul, o JP, atira o grupo a uma incerteza mortífera.

As cenas em que Gilbey mostra como a natureza pode ser perversa com o homem, ainda que tenha convicção de superioridade. Mas morrer “fazendo com o que se gosta”, dizem, é um prazer que a lógica não alcança.


Filme: Summit Fever
Direção: Julian Gilbey
Ano: 2022
Gêneros: Thriller/Suspense
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.