Todos somos covardemente assaltados por reflexões em dias como o de hoje, inúteis, como todas as reflexões — sobretudo num dia como o de hoje.
Fui largando pelo caminho uma porção de coisas que não me têm feito nenhuma falta, pessoas, gente alta ou baixa, remediada ou pobre, que vi no torvelinho, tragadas por ou uma ou outra maldição, e as maldições, ah!, conheço-as bem.
A ceia da noite anterior soube-me pesada, e por isso cá estou, remoendo os sonhos opressos da madrugada inclemente, num vômito, expulsando de mim meus fantasmas (de novo), a rezar aflito, a esperar a salvífica aurora, a mirar as duas faces da insânia,
Também eu, que dessa cizânia sou parte, da luta do primeiro raio de sol contra a noite, pássaros contentes ocupando o iminente dilúculo, que se levanta, ouvindo minhas preces.
As pessoas têm tantas ocasiões para se arrepender, mas acham de sempre fazê-lo no leito de morte, não me parece genuíno, nem justo. Quem fica, beduíno em seus desertos, exilado na própria vida, não entende nada, a fúria o consome, depois arrefece, cede lugar ao desalento, depois à arrogância envergonhada de momentos que não cessam, que vivos temos sobre os defuntos: eles se foram, cá estou, quente, talvez aos pedaços, que junto, lágrimas escorrendo pelas faces rubras, medo atávico sem saudade.
Odiar demanda muita energia, e estou adoentado. O dia avança. Submeto-me.