Poema de Natal e outras coisas miúdas, ou Elizabeth Bishop sou eu

Poema de Natal e outras coisas miúdas, ou Elizabeth Bishop sou eu

Todos somos covardemente assaltados por reflexões em dias como o de hoje, inúteis, como todas as reflexões — sobretudo num dia como o de hoje.

Fui largando pelo caminho uma porção de coisas que não me têm feito nenhuma falta, pessoas, gente alta ou baixa, remediada ou pobre, que vi no torvelinho, tragadas por ou uma ou outra maldição, e as maldições, ah!, conheço-as bem. 

A ceia da noite anterior soube-me pesada, e por isso cá estou, remoendo os sonhos opressos da madrugada inclemente, num vômito, expulsando de mim meus fantasmas (de novo), a rezar aflito, a esperar a salvífica aurora, a mirar as duas faces da insânia,

Também eu, que dessa cizânia sou parte, da luta do primeiro raio de sol contra a noite, pássaros contentes ocupando o iminente dilúculo, que se levanta, ouvindo minhas preces.

As pessoas têm tantas ocasiões para se arrepender, mas acham de sempre fazê-lo no leito de morte, não me parece genuíno, nem justo. Quem fica, beduíno em seus desertos, exilado na própria vida, não entende nada, a fúria o consome, depois arrefece, cede lugar ao desalento, depois à arrogância envergonhada de momentos que não cessam, que vivos temos sobre os defuntos: eles se foram, cá estou, quente, talvez aos pedaços, que junto, lágrimas escorrendo pelas faces rubras, medo atávico sem saudade.

Odiar demanda muita energia, e estou adoentado. O dia avança. Submeto-me.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.