A desconcentração do monopólio da informação é algo constantemente comemorado por setores da sociedade. O fato de veículos independentes conseguirem atrair público, ao passo que desconstroem e, de certo ponto, atacam a denominada “mídia tradicional”, é uma bandeira das mais levantadas hodiernamente. Em teoria popularesca, o desmoronamento dos grandes conglomerados teria o condão de expor o “sistema” — daí o surgimento de um jornalismo alternativo, dito desalinhado com grupos políticos e grandes anunciantes.
A revolução tecnológica, atrelada à era da hipercomunicação, possibilitou o crescimento de veículos que, de uma hora para outra, tornaram-se referências digitais. E, claro, apesar dos benefícios sentidos e propagados, uma parte desses novéis canais não se preocupa nem um pouco com os rigores basilares da vertente jornalística. É exatamente desse nicho da democratização digital que surgiram páginas aparentemente inocentes de fofocas, com trabalhos simplificados, escritas sem rigor e nítido objetivo de entreter, ao mesmo tempo que angariam seguidores e fortunas. Até aí, não há nenhuma transparência de malefício.
O grande mal da independência é a sensação de que tudo é permitido, sem consequências e reprimendas. A dimensão obscura das novas mídias cibernéticas é a propagação das chamadas “fake news” — mormente neste período, ainda que incipiente, da Inteligência Artificial. Ao se escusarem em uma suposta irrestrita liberdade de expressão, ou mesmo de imprensa, tais empreendimentos causam danos por vezes irreparáveis nas vidas alheias. E os exemplos se têm aos montes.
O mais recente, e mais absurdo, envolveu uma gigantesca página da internet, que movimenta para lá de dezenas de milhões de seguidores. Ratificada por um sem-número de influenciadores e de marcas famosas, a despeito da credibilidade contestável, tal veículo propagou, com alcance contundente, uma “notícia” falsa acerca de uma jovem desconhecida. O resultado foi o suicídio da vítima da informação inverídica, o que desencadeou uma grande manifestação de repúdio nas redes sociais. Porém, não se trata de caso isolado.
Em Goiás, uma empresária passou por situação semelhante. Após a morte de duas pessoas por envenenamento, circulou pelas redes sociais recomendações para que não se comprasse em sua doceria, eis que a contaminação supostamente derivaria de seus produtos. A quebra do liame entre o crime e a empresária foi posteriormente evidenciada pela Polícia, todavia as consequências psicológicas, financeiras e de imagem foram devastadoras para a vítima do linchamento virtual. Talvez, sejam perenes.
A grande questão é que, nesse diapasão, e em concomitância, sempre que há qualquer menção à regulamentação das redes sociais — o ambiente de propagação desses crimes — existe um atrelamento à arbitrariedade. Fala-se em censura, em perseguição política, ainda que casos como os suprarrelatados sejam de recorrência assustadora. Para os defensores das liberdades absolutas e irrestritas, existe um óbice evidente em se regular as redes. Curiosamente, inúmeros deles mostraram total indignação no caso do suicídio da jovem garota. Os pés da irresignação quanto a um marco regulatório, entretanto, são firmes e irredutíveis. Passa muito pela questão de um senso de autoproteção irracional e incoerente com o restante do sistema jurídico vigente; senão, vejamos.
O Direito é, notoriamente, um projeto de harmonia social baseado na primazia da civilidade. Todas as vezes que exsurge um ruído maléfico na convivência pacífica, exige-se ao menos a tentativa de retorno ao status quo ante. Essa é a premissa básica da responsabilidade; e é a tônica da homeostasia social. Se se viola uma obrigação (shuld), nasce o dever de reparar (denominado “consequente” ou haftung). E a razão é cristalina: o ilícito não deve medrar no seio social, porquanto a ninguém é dado o poder de atingir outrem sem reparar o dano ou sofrer as consequências legais de sua ação. Isso vale tanto no contato pessoal quanto no virtual.
Imperativo categórico civilizatório, desde que discutido amplamente e com suas nuances distantes de vias ditatoriais, uma regulamentação urge necessária e imprescindível. É, antes de tudo, desdobramento natural dos tempos atuais, de comunicação instantânea. Há que se ter responsabilização por quaisquer dos atos da vida humana; é assim na esfera civil, bem como em todos os aspectos da realidade, e não pode deixar de ser no mundo virtual. Enquanto não houver um pacto determinante com atribuições de regulação, a internet será sempre palco para o surgimento de notícias falsas, irresponsabilidades irreparáveis e efeitos nefastos — tais quais os danos psicológicos e, quiçá, outros suicídios.
Difícil será convencer os bastiões da liberdade de expressão absoluta — que, repise-se, inexiste no sistema jurídico nacional — de que a razão está na regulação. A teimosia poderá ser o pilar de segurança de outros tantos crimes nefastos, infelizmente. E isso é que é, de fato, chocante.