Favorito ao Oscar 2024, filme produzido por Martin Scorsese e Steven Spielberg acaba de estrear na Netflix Jason McDonald / Netflix

Favorito ao Oscar 2024, filme produzido por Martin Scorsese e Steven Spielberg acaba de estrear na Netflix

Com “Maestro”, Bradley Cooper assume alguns riscos, mas a prudência sobressai. Como sói acontecer nas cinebiografias que se pretendem a escrutinar a vida de gente muito famosa, naturalmente controversa e insubmissa a rótulos, tudo acaba por virar motivo ou para edulcorações narrativas, ou, por lado, para que se intensifique a personalidade anômala do biografado, ansiando-se por justificar ou normatizar posturas duvidosas.

Leonard Bernstein (1918-1990) teve uma vida extraordinária; o regente que melhor conseguiu infiltrar-se na cultura pop — valendo-se para tal do cinema, sobretudo — foi ele mesmo um grande astro, rivalizando com os mais sedutores galãs de Hollywood, alguns dos quais amarfanharam seus lençóis sem culpa de parte a parte, mesmo depois do casamento de Bernstein com a atriz costarriquenha Felicia Montealegre (1922-1978), em 1951, o ponto alto da sinfonia furiosa que o maestro compôs para além das partituras, captado com agudeza e suavidade pelo texto, de Cooper e Josh Singer, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original por “Spotlight: Segredos Revelados” (2015), dirigido por Tom McCarthy, em 2016.

O diretor faz um passeio ora aprazível, ora turbulento pela intimidade e, o mais louvável, pelos bastidores da carreira singular de Bernstein ao longo de quatro décadas, cercando-se de detalhes básicos, a exemplo dos figurinos de Mark Bridges e da fotografia de Matthew Libatique. Na primeira sequência, um irreconhecível Cooper encarna o protagonista com a técnica e o sentimento de praxe, recebendo uma equipe de filmagem em sua portentosa mansão ensolarada, o trampolim para que o diretor entre em cena e leve a trama ao passado remoto de Lenny, em preto e branco. Ele recebe um telefonema as nove e meia da manhã e pula da cama, onde dorme um rapaz. Veste-se às pressas e corre para o Carnegie Hall, na Sétima Avenida, onde tem a oportunidade de substituir o maestro residente, o alemão Bruno Walter (1876-1962), surpreendido por um mal-estar qualquer.

A Orquestra Sinfônica-Filarmônica de Nova York experimenta um súbito renascimento, Bernstein é ovacionado, e o resto é história, ou melhor, uma pequena fração dela. De lá, a revelação da música erudita estende sua influência para o mundo, aprimorando-se obsessivamente até que se julgasse apto a recriar os seis minutos da Sinfonia nº 2 da “Ressurreição” (1888) de Gustav Mahler (1860-1911) na Catedral de Ely em Londres, em 1973. Entre um e outro trabalho, entra Montealegre, com Carey Mulligan delicada como nunca, suportando os casos extraconjugais do marido com jovens concertistas por amor, mas também por uma espécie de orgulho.

Cooper não se aprofunda nas possíveis inúmeras teorias, conspiratórias ou nem tanto, sobre o longevo casamento dos dois, acertando em cheio ao situar os rompantes de malcontido rancor dela e de um certo arrependimento inútil dele em meio à composição da trilha de “Amor, Sublime Amor” (1961), o musical de Jerome Robbins e Robert Wise, sem dúvida o ponto de virada do artista ainda obscuro, maldito até, para a celebridade internacionalmente reconhecida e cultuada. Felicia estava sempre com ele, à sombra, e o filme cresce nos momentos em que esse amor aflora sem máscaras sempre que Mulligan e Cooper, nessa ordem, estão juntos.

Falsas polêmicas, como a patética tentativa de linchamento moral (ou cancelamento, nos termos de hoje) devido à prótese de nariz usada por Cooper não tiveram peso algum na divulgação do longa, muito por causa da postura elegante, mas assertiva dos filhos de Lenny e Felicia, cujo ocaso, martirizada por um câncer de pulmão aos 56 anos, o diretor também não se furta a mostrar. O amor de Leonard Bernstein e Felicia Montealegre merece um filme só para si, mormente em dias nos quais parece que o sucesso cai do azul e o mercado fonográfico vulgariza-se um pouco mais, semana após semana. Bernstein era raro; Felicia era Felicia.


Filme: Maestro
Direção: Bradley Cooper
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Musical/Romance
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.