Romance perfeito na Netflix é passaporte para fim de semana de descanso e diversão Randy Shropshire / ESX Entertainment

Romance perfeito na Netflix é passaporte para fim de semana de descanso e diversão

O Natal desperta sentimentos os mais contraditórios. Se por um lado pensamos estar atentos às tradições, por outro, novas urgências cintilam-nos aos olhos, a nos lembrar que costumes podem não ser mentores confiáveis quando pairam dúvidas sobre os assuntos do coração. Nessa época do ano, afloram as mais numerosas vertentes de histórias contando de relações que soçobram ou que ganham nova vida, e, principalmente, de casos de amor que caem do azul, movidos, claro, por interesses que extrapolam a razão. Parece estar se consolidando entre os diretores de hoje a tendência a misturar os prazeres da carne e o poder absoluto do vil metal, e “Entre Amores e Vinhos” é mais uma das que miram os sufocos de dinheiro como a pedra angular de namoros que evoluem para casamentos (ou não), marcando duas vidas para sempre (ou por um bom tempo). Em 107 minutos, Alex Ranarivelo faz um apanhado de seus palpites acerca de romances intrincados, conflitos familiares e transações que movimentam rios de dinheiro, alcançando o todo harmônico com o qual toca mesmo as almas mais férreas, derretendo como neve ao calor de uma manhã mais ensolarada que as demais.

Uma mão tira um cacho de uvas verdes de uma parreira majestosa, uma das várias imagens de que o roteiro de Cecilia Franco e David Zanardi se socorre a fim de explicar o ramo a que dedicam-se os Baldwyn. Bem, “dedicar-se” é o termo mais adequado, já que o vinho que fabricam há gerações não passa de uma jeropiga envasada em botelhas de rótulos sem classe, mas que, por uma razão que Franco e Zanardi deixam para o final, vendem como agua no deserto. Margo, a matriarca e dona da vinícola, tem sede mesmo é de dólares e mais dólares entrando na receita da fábrica, e detesta seu produto, optando por um Louis Jadot Montrachet 2006 nas muitas vezes em que frequenta restaurantes finos para almoços de negócio ou jantares com amigos que se alongam pela madrugada. Esse é o motivo para se reunir com o filho único, Carter, exigindo que pare com a vida de farras e orgias e despache-se para afictícia Los Santos, na Califórnia, conhecida pela atividade vinhateira, com bebida de excelentes safras, mas sem requinte algum. É aí que Carter entra: ele deve fazer in loco uma prospecção a fim de desvendar o que há por trás do sucesso de Los Santos, aproveitando para comprar o vinhedo Huckabee, o maior da região. À surdina.

Pano rápido, e Carter desembarca em seu novo endereço pelas próximas semanas. Se no segmento anterior Josh Swickard e Eileen Davidson mostram-se bastante afinados, Ranarivelo conserva esse atributo ao botar seu anti-herói para contracenar com todos os atores do outro núcleo, a começar, naturalmente, por Valentina Espinoza, a mocinha vivida por Sol Rodríguez. Corretora imobiliária responsável pela venda do Huckabee, Val, viúva há algum tempo e mãe dos encantadores Fernando e Santiago, de Julian Rangel e Carlos Solórzano, está apresentando uma das instalações da oficina a uma sociedade de microprodutores, quando o personagem de Swickard aparece do nada, mas é obrigado a sair, porque o encontro é só para os membros da cooperativa. Enquanto ela não sai, Carter brinca com Fed e Santi, o álibi perfeito para cercar Val sem que levante suspeitas.

Com uma ou outra diferença pontual, o argumento de “Entre Amores e Vinhos” é muito semelhante ao que assiste em “Doce Amor de Inverno” (2023), de T.W. Peacocke, inclusive na força do elenco de apoio. Moe, papel de Omar Gooding, e Cindy, de Carly Jibson, encabeçam bons respiros cômicos como o fabricante amador de vinhos, ou garagiste, que ajuda Carter a dar um fecho para o imbróglio com Val, e a melhor amiga dela, com quem vive um namorico muito mais sereno. Os dois homens aproximam-se quando o forasteiro aceita trocar o pardieiro em que está instalado e ir para a casa de hóspedes da personagem de Rodríguez, desde que se comprometa em reformá-la — prova de que finanças não são mesmo a sua vocação. Ranarivelo é capaz de ocultar ao máximo o envolvimento de Carter na compra do Huckabee, porém saca de expedientes um tanto ligeiros para justificar sua personalidade débil. Num compasso vertiginoso, Swickard faz dele o salvador do vinhedo, fundado pelo avô, George, e o amigo Hollis Huckabee, demasiado sonhadores para erigir fortuna, impulsiona a empresa da mãe com o Decisões Derramadas, o vinho criado por Moe, sem, por óbvio, perder Val, seu novo grande amor. A vida é muito simples nas comédias românticas — e também por isso elas nunca perdem a graça.


Filme: Entre Amores e Vinhos
Direção: Alex Ranarivelo
Ano: 2023
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.