Adrenalina do início ao fim: filme da Netflix vai te deixar com os o coração na boca e os olhos pegando fogo Sarah Shatz / Columbia TriStar

Adrenalina do início ao fim: filme da Netflix vai te deixar com os o coração na boca e os olhos pegando fogo

Cada um ganha a vida como consegue, mas há os que, abençoados, aliam à necessidade o talento, o prazer, até a glória, deixando nos outros a sensação dúbia de cobiça e deslumbramento. Cruzar as ruas e avenidas tão largas quanto perigosas de Nova York o mais rápido possível é para quem se dispõe a gastar boa parte do dia se esfalfando no sol de cerca de quarenta graus do verão no hemisfério norte, ou à neve fina e constante que cai no inverno, até que não reste mais um palmo de chão livre e ninguém se locomova com tanta destreza assim, ainda menos sob duas rodas que, por mais grossas e resistentes que pareçam, sempre guardam surpresas desagradáveis.

“Perigo por Encomenda” acaba sendo uma crônica do dia a dia dos 1.500 entregadores que trabalham na Grande Maçã valendo-se de um guidão, um cano e dois pneus, uma vida de incerteza, riscos, fraturas e oitenta dólares ao fim da jornada, no melhor dos cenários. Sensível, David Koepp dá vida a uma história ágil, como não poderia deixar de ser, mas repleta de pausas dramáticas entre um e outro semáforo, momento em que o espectador reflete sobre o dilema ético que se vai projetando no caminho de um jovem ambicioso, porém honrado.

“Perigo por Encomenda” parece um videogame tridimensional daqueles bem realistas. Começa por mostrar, em contra-plongée, um homem voando em câmera lenta, até aterrissar no concreto duro da rua às 18h33. O texto de Koepp e John Kamps faz o relógio voltar para as cinco da tarde, quando Wilee, como o Coiote, o antípoda do Papa-Léguas, sai da Security Courrier, a pequena companhia de entregas a jato na Baixa Manhattan, e atravessa a cidade para despachar em mãos um pacote. Ele sai em disparada, como numa corrida maluca, para continuar no universo dos desenhos animados, e avança sinais fechados, sobem no passeio, são imprensados por taxistas, seus grandes rivais, tudo para não dar furo, cumprir o horário e, quiçá, garantir uma boa gorjeta ou um bônus do chefe. Seja lá quanto juntam não é o bastante para viver no fio da navalha, mas meter-se num terno cinza e trancar-se num escritório das oito às sete não é uma opção.

Os níveis de adrenalina que inundam a corrente sanguínea e extravasam para a pele num rio de suor mais bravio que o Hudson decerto ajudam Wilee e gente como ele a permanecer nesse ramerrão, mas há momentos em que ele dá evidentes sinais de cansaço, feito uma engrenagem cujo motor estivesse para fundir. A computação gráfica da equipe supervisionada por Fred Buchholz o ajuda a deslizar por veículos de carga e pedestres que nunca cogitam parar, mas a perícia de Joseph Gordon-Levitt é digna de aplausos. Ele volta pela primeira vez à universidade em que se formou em direito, não para nenhum encontro de ex-alunos, mas para apanhar o envelope que lhe entrega Nima, a moça asiática vivida por Jamie Chung, detalhe importante no que se passa daqui para frente. Agora, ele tem de quase se teletransportar para o número 147 da rua Doyers, em Chinatown, do outro lado da cidade, onde alguém o espera num tal Salão de Chá Nam Wah. Mas não vai só.

Na transição do segundo para o terceiro ato, Koepp apura um pouco mais a velocidade do enredo ao botar Bobby Monday, um policial corrupto e de algum jeito vinculado à Nima, na cola do mocinho de Gordon-Levitt. Michael Shannon chega em boa hora, trazendo uma boa medida de suspense e repulsa a uma trama eminentemente composta por figuras imaculadas, que ganham o reforço de Vanessa, a namorada do herói, de Dania Ramirez. O embate entre Wilee e Monday, no qual Vanessa também toma parte depois, não tem nada de genial, mas é nada menos que eletrizante, um predicado indispensável nessas narrativas.


Filme: Perigo por Encomenda
Direção: David Koepp
Ano: 2012
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.