Adorável e inspirador, filme na Netflix vai te fazer querer passar o final de semana enrolado no cobertor e de frente para a TV Divulgação / GAC Media

Adorável e inspirador, filme na Netflix vai te fazer querer passar o final de semana enrolado no cobertor e de frente para a TV

Se o coração tem razões que a própria razão ignora, o Natal faz reviver sentimentos que julgávamos terem se perdido sobre o gigantesco monte de neve que sempre resta no peito de cada um. Pais que criam filhos sem a mãe — e vice-versa, claro — sem dúvida padecem mais daquela solidão que ataca espírito demasiado livres, e é aí que “Um Milagre de Natal para Daisy” começa a fazer sentido. A adaptação da novela “A Christmas Miracle for Daisy” (2015), de Jane Porter (sem edição em português), remexe arcaicíssimos clichês, todos bastante previsíveis, até chegar a um resultado pouco menos pasteurizado, com a quantidade adequada de açúcar, tornando-se mais frio ou mais quente a depender da vontade de quem assiste.

Tarimbado nessas histórias, Michael Rohl consegue oferecer ao público um cardápio sortido de cenas adoráveis, sem se importar muito com as boas e velhas elucubrações sobre o que vem a ser a celebração mais envolvente do ano em tempos duros de guerra, incertezas quanto ao clima, insegurança alimentar sempre à ronda, derruimento de valores antes fundamentais para todas as relações. O Natal é aquela época em os adultos invejam as crianças por estas ainda crerem que alguém que as ouve. 

Depois de uma vida de compromissos profissionais que não raro acabavam por emendar em drinques com alguma beldade numa boate mais reservada, badalações, festas de toda sorte, Connor Sheehan decide ir embora de Los Angeles e refazer a vida em Marietta, cidadezinha fictícia que o texto de Porter localiza em Montana, oeste dos Estados Unidos. Em que pese os velhos hábitos duvidosos — e uma estampa que se impõe —, Connor, o mocinho de Nick Bateman, não está exatamente sozinho nessa aventura: vai com ele a filha, uma garotinha já meio acostumada tanto quão possível com o fato de ter sido abandonada pela mãe, embora visivelmente ressentida sempre que esses assuntos vêm à baila, por mais que o pai a encha de mimos.

Rubi Tupper, a Daisy do título, nunca dá na vista; contudo está deveras agastada com toda essa independência do pai, a ponto de recorrer ao Bom Velhinho a fim de dar um jeito nesses romances erráticos e fazê-lo sossegar, o tal prodígio natalino buscado por Daisy. Quando crianças têm de tomar conta da vida íntima de marmanjos, a humanidade dá outro de seus inequívocos sinais de fracasso; entretanto, Santa Claus, que aqui atende pela alcunha muito mais comercial de Kris Kringles, logo entende o sofrimento da pequena, e antes que o personagem de Terence Kelly entre em ação, o destino também mexe suas peças e bota Connor e um grande amor na mesma vizinhança.

O roteiro de J.B. White trabalha a união de Connor e essa mulher algo misteriosa, quase sempre na defensiva, atribuindo-lhe cores ora lutuosas, ora solares, com cuidado, frisando sua insegurança frente a esse homem outra vez, como se reencontrá-lo não fosse uma ideia assim tão boa. Jill Wagner confere um pouco de alma ao filme de Rohl, em muitas ocasiões até se adiantando ao que quer o diretor e levando a trama sozinha.

Não há mais nada de tão revelador: Whitney Alder, a gerente da loja de design de interiores de Marietta, administrada em sociedade com Andi Buchanan, a melhor amiga, papel de Tegan Moss, providencia loucas, pratarias e arranjos com bicos-de-papagaio para a festa em que Connor apresenta aos novos vizinhos a casa que levou algumas semanas reformando. Um mal-entendido, adivinhem, na hora em que estavam afinando os ponteiros, ameaça colocar tudo a perder; então, o “milagre” se consuma, a mágica acontece, ninguém mais é triste, a noite é feliz. O Natal muda, mudamos nós, mas certos anseios são eternos.


Filme: Um Milagre de Natal para Daisy
Direção: Michael Rohl
Ano: 2021
Gêneros: Romance
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.