Uma das coisas mais fascinantes na arte são as interações entre duas ou mais obras, ou, podemos dizer, os diálogos entre as diversas manifestações artísticas. Saber, por exemplo, que David Bowie teve a ideia de escrever sua primeira obra-prima, “Space Oddity”, depois de assistir ao filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, faz com que a canção ganhe mais relevância.
E quando o diálogo é ampliado e transformado numa roda de conversa com mais de dois artistas? Tudo começou quando o escritor alemão Thomas Mann passava uma temporada na ilha do Lido em Veneza no ano de 1911. Ele teve a inspiração para seu livro “Morte em Veneza”, que conta a história de um escritor, Gustav von Aschenbach, que durante um período de bloqueio criativo resolve passar férias no Lido de Veneza. Lá ele fica obcecado pela beleza e juventude de um adolescente chamado Tadzio, em turismo com sua família na cidade.
O “diálogo artístico” começa com a decisão de Mann de dar ao personagem Aschenbach a aparência física do compositor austríaco Gustav Mahler que morrera no mesmo ano de 1911 aos cinquenta anos de idade. O livro foi publicado em 1912.
Quase sessenta anos depois da publicação do livro, o cineasta italiano Luchino Visconti lançou sua adaptação cinematográfica da obra de Mann. Visconti aprofunda a conexão da história do livro com a vida de Mahler ao tornar o personagem Aschenbach um compositor musical.
O filme “Morte em Veneza” foi lançado em 1971 e sua trilha sonora usa brilhantemente trechos de sinfonias de Mahler, incluindo o, dali para frente, celebrado “Adagietto”, quarto movimento da Sinfonia nº 5. Devemos agradecer a Visconti por ter ajudado o mundo a conhecer mais o compositor Gustav Mahler, ainda pouco lembrado até então.
Em 1974 mais um artista se junta a esta animada conversa. O cineasta britânico Ken Russell lança seu filme “Mahler”, que no Brasil ganhou o subtítulo “Uma Paixão Violenta”.
Russel ambienta seu filme numa viagem de trem até Viena, na qual o compositor Gustav Mahler, à beira da morte, e sua mulher Alma Mahler, relembram momentos de suas vidas e de seu conturbado relacionamento. Numa cena memorável, que liga o filme de Russel ao de Visconti e ao livro de Mann, o trem faz uma parada em uma estação e, pela janela de sua cabine, Mahler vê na plataforma os personagens do filme de Visconti: o compositor Aschenbach sentado em um banco observa o adolescente Tadzio a brincar com uma bola. Na trilha sonora o “Adagietto”.
O filme de Russell era o elemento que faltava para compreendermos que desde o livro de Mann, além da aparência física, a personalidade complexa e fascinante de Aschenbach foi inspirada em Mahler, como bem resumiu Visconti em uma declaração após o lançamento de seu filme: “Eu transformei Aschenbach de escritor em músico, pois achei que era essa a verdadeira ideia de Thomas Mann. Há muitas provas disso. Tratava-se, inicialmente, de Gustav Mahler. Tive, então, a ideia de fazer o filme todo com a música de Mahler”.