Imagine um ser humano normal e adulto, principalmente do sexo masculino e dito “civilizado”. Tire a coleira (a lei humana) de seu pescoço e deixe-o nu, despido de seu terno Armani. Ele se torna um animal pleno, como qualquer outro, apto a matar como um crocodilo do rio Nilo — uma das feras mais primitivas que existem. Esse animal não tem a mínima compaixão com nenhuma outra espécie, e nem mesmo com seu semelhante. Elimina o outro sem considerar sexo e idade: pode ser velho, mulher ou criança.
Aliás, o homem é o pior animal de todos porque pensa: ele sabe o que é um velho, uma mulher e uma criança. Ele sabe o que está fazendo; um crocodilo do Nilo não sabe. E, por saber o que está fazendo, nossa espécie é capaz de coisas realmente horríveis, hediondas. Essa é uma generalização, é claro, porque nem todo ser humano é tão cruel.
Mas os que são maus — maus porque pensam — costumam ser bem conhecidos. Os chefes tribais utilizam palavras encantatórias — “liberdade”, “justiça”, “direito” — para espezinhar o direito, cometer as piores injustiças e privar terceiros justamente da liberdade. Muitos chefes gostam de falar em nome de Deus e se acham escolhidos por Ele. Mas como pode ser bom um Deus que autoriza degolar ou explodir nosso semelhante? É crível um Deus mal assim? Que diferença há entre um grupo que mata inocentes e outro que faz o mesmo? Apenas alguns símbolos os dividem: livros, hinos, bandeiras.
É por causa dos símbolos que uns acham que sua matança é justa e a dos outros é terrível e criminosa; enquanto outros acham que terrível e criminosa é a matança dos outros, e justa é a sua própria. Uns se acham no direito exclusivo de matar e outros também; uns se julgam mais especiais e outros também; uns lançam bombas boas e outros também. Isto porque uns se julgam injustiçados e outros também; uns se acham o único povo eleito e os outros também; uns são as forças do bem contra o mal e os outros também. Como pode Deus arbitrar entre duas certezas que se excluem?
Quem pode dizer quem está certo e quem está errado, se uns têm certeza de que estão com a verdade e os outros têm certeza da mentira? O outro lado também tem certeza de que está certo e de que o outro está errado. Quem está certo, se cada lei é absoluta? Como Deus, que é um só, pode ser dois deuses e duas verdades excludentes? Quem é o sábio que explica isso? Como dialogar com pessoas que têm certeza e, por isso, se matam?
Como convencer um crente de que um fiel não é diferente de si mesmo, e como convencer um fiel de que um crente não é diferente de si mesmo, se afinal de contas os dois pensam absolutamente igual?