“Ninguém Precisa Acreditar em Mim” é uma sátira do início ao fim. Mas o humor é tão seco e sutil, que pode passar despercebido. Inspirado no livro premiado homônimo de Juan Pablo Villalobos, o protagonista da história é ele próprio. Um jovem que recebe uma bolsa de estudos para concluir um PhD em Literatura em uma universidade em Barcelona. A história real de vida de Villalobos se mistura à ficção, trazendo elementos similares a “Alice no País das Maravilhas” e “Dom Quixote”, fazendo com que o expectador questione se o que estamos vendo é ilusão ou realidade. Não é à toa que o livro e o filme se chamam “Ninguém Precisa Acreditar em Mim”.
Nascido em Guadalajara, em 1973, Villalobos recebeu uma bolsa de estudos para seu PhD em 2003, em Barcelona. Depois, ele se mudou para Campinas, aqui no Brasil, em 2007, antes de retornar definitivamente para Barcelona em 2014. Autor de “Festa no Covil” e reconhecido como um representante do gênero da narcoliteratura, seu estilo único e extraordinário é, na verdade, indefinível e incategorizável.
Malgrado das sinopses soltas no Google do livro que inspirou este filme, não espere uma comédia da qual você irá rir e se esquecer de pensar. Pelo contrário, “Ninguém Precisa Acreditar em Mim” é tão cerebral que às vezes se esquece de divertir o público. O enredo está mais para um suspense, que se arrasta lentamente entre estranhos e confusos acontecimentos. A maioria das doses de sarcasmo soam tão ásperas que não provocam, de maneira alguma, risos. É um filme obscuro, com um protagonista taciturno e reflexivo, embora o objeto de seu estudo seja os limites do humor na literatura. E é exatamente esse o jogo de Villalobos enquanto escreve seu romance. Ele está testando os limites do humor. Do que é ou não risível, do que é ou não inadequado.
A desventura do protagonista (Dario Yazbek Bernal) começa quando ele é sequestrado em uma livraria por criminosos. No misterioso porão onde é levado, um primo de Juan Pablo está amarrado a uma cadeira. Depois de exterminarem o homem imobilizado, ameaçam o protagonista e o recrutam (sem direito de escolha) para uma missão. Ele deve ir até Barcelona com sua namorada para estudar. Na universidade, ele deve se aproximar de Laia (Anna Castillo), filha de um político corrupto, e fazê-la se apaixonar por ele. As orientações de cada passo do plano são dadas a Juan Pablo por meio de ligações telefônicas.
Enquanto o protagonista finge levar normalmente sua vida, frequentando as aulas e discutindo temas como machismo, exploração indígena e outros assuntos densos com seus colegas acadêmicos, também acompanhamos a nova rotina de Valentina (Natalia Solián), a namorada, que é forçada a se mudar para outro continente em um momento em que seu relacionamento com Juan Pablo não vai exatamente bem. Os dois haviam terminado o romance pouco antes da viagem. Forçado pelos criminosos a reatar o relacionamento e levar Valentina com ele para Barcelona, Juan Pablo e a namorada estão emocionalmente desconectados. E é essa desconexão da única pessoa que conhece em um território desconhecido que atenua a já presente dificuldade de adaptação de Valentina. Ela batalha para encontrar sua identidade e senso de pertencimento em um local onde é constantemente confundida e discriminada.
Com cenas de violência eruptiva, uma fotografia sombria e uma atmosfera surrealista, “Ninguém Precisa Acreditar em Mim” é um thriller provocativo e desconcertante extremamente segmentado e que não deve cair nas graças dos espectadores que esperam um formato mais tradicional de cinema.
Filme: Ninguém Precisa Acreditar em Mim
Direção: Fernando Frias
Ano: 2023
Gênero: Suspense / Comédia
Nota: 8/10