Baseado em best-seller com mais de 15 milhões de cópias vendidas, romance na Netflix é descanso para mente e coração Fabio Zayed / Netflix

Baseado em best-seller com mais de 15 milhões de cópias vendidas, romance na Netflix é descanso para mente e coração

A adolescência, definitivamente, é o inferno astral da humanidade — e a indústria cultural tem certeza disso. De um ano para o outro, a sensação que o público leigo tem é que pululam os filmes sobre garotos e garotas implicados nos problemas típicos dessa fase da vida, por sua própria culpa ou como se empurrados, pelas circunstâncias, por decisões equivocadas, companhias duvidosas ou uma conjunção de todos esses fatores nefandos. Muitos desses filmes são livre ou totalmente inspirados em livros que fazem a festa do mercado editorial de tempos em tempos, fazendo girar uma roda cuja marcha é imprescindível para que a economia não pare de se movimentar, mesmo em dias de prostração. Brandon Camp é capaz de se comunicar com esse espectador como poucos.

Compreendendo os pesares e os prazeres de uma garota mimada em “Amor e Gelato”, o diretor vai expandindo o panorama de sua história sem pressa, enquanto se vislumbra ao fundo o que quer realmente dizer. Ninguém em pleno gozo das faculdades cognitivas pode passar por cima da evidência de que são urgentes boas tomadas de paisagens e monumentos históricos — no caso, o céu sempre acintosamente limpo da Itália, de onde emana a luz no preciso tom de dourado que banha o Coliseu e a Piazza Navona no verão — a fim de fazer com que um roteiro em essência ingênuo funcione, mas Camp sabe imprimir a seu trabalho algo mais que apenas beleza, mesmo que seu texto, derivado do livro homônimo de Jenna Evans Welch, apele à estética hipnótica das locações italianas. Chamariz para públicos diversos, exógenos e até avessos a esse formato, as belas locações têm exatamente essa função na trama e não chegam nunca a ofuscar o que se intenta ter como digno de ser narrado.

Lina nasceu e foi criada nos Estados Unidos, porém mesmo que a contragosto, tem laços estreitos com a Itália, que não conhece. Sua viagem ao país se dá sob o pretexto mais desditoso: sua mãe, cuja imagem nunca vem à tela, nem em flashback, morre de câncer e deixa-lhe um diário, no qual confidencia que deseja que a garota voe até lá, primeiro porque será uma viagem inesquecível. Se ela de fato for, seu segundo pedido é que procure por seu pai biológico, que nunca quis saber dela.

Malgrado não se possa exigir demais de enredos desse jaez, há que se apontar as incongruências lógicas na história, mais uma que reforça o modelo de adolescentes como indivíduos excessivamente volúveis, imaturos, suscetíveis a todo gênero de influência, dos que ainda estão por aqui e de quem não pode mais se explicar. Vivida por Susanna Skaggs num bom momento, Lina é recepcionada por Francesca, a madrinha, papel de Valentina Lodovini, casada com Howard, o grande amor não correspondido da mãe da protagonista, interpretado por Owen McDonnell, americano radicado na Itália.

A partir do encontro de Lina e Howard, outras subtramas tomam corpo no eixo central de “Amor e Gelato”, como a descoberta do que ela, dedicada aos cuidados para com a mãe ao longo de anos, entende por amor, que primeiro atende pelo nome de Alessandro, o playboy meio inconsequente encarnado por Saul Nanni; depois por Lorenzo, o aspirante a chef de Tobia De Angelis. A verdade é que Lina é inexperiente demais e está confusa demais para saber de quem deve gostar, e esticando-se um pouco o raciocínio, pode-se dizer que não gosta nem de si mesma. Até o deslocamento de Roma para Florença, onde o homem que a mãe dissera ser seu pai vive, elabora as iluminações de que tanto precisava, a mais importante delas a respeito de Howard.

Goste-se ou não do gênero, atribua-se-lhe caráter verdadeiramente artístico ou parta-se para o ataque, acusando-se as supostas pretensões pedagógicas que possam haver por trás dessas histórias, a verdade é que os longas inclinados a refletir anseios e temores da população mundial com idade entre treze e dezenove anos, cerca de um bilhão de pessoas, constituem um mercado por si só, e ninguém o ignora, muito menos os estúdios, que encontram no nicho um público fiel, que tem passado a ingressar no mundo do trabalho cada vez mais cedo e com mais qualificação.

Comentários das leitoras de Welch com quem troquei impressões disseram-me que o registro de Camp é infinitamente melhor que o livro, opiniões que eu sempre levo em conta quando se trata de analisar filmes que nascem da pena sacramentada pela palavra meramente escrita, imutável, eivada de uma dose de solenidade em excesso. Sempre flanam pelas páginas mal-entendidos que as cenas ilustram, ou melhoram, ou só apagam. Sem ter lido o romance de onde saiu “Amor e Gelato”, tendo a concordar com elas. Afinal, esse é um dos princípios mais elementares do cinema.


Direção: Amor e Gelato
Filme: Brandon Camp
Ano: 2022
Gênero: Comédia/Drama/Romance/Coming-of-age
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.