Na década de 1970, emergiu no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, na casa do psiquiatra e músico Aloisio Porto Carreiro de Miranda, o Movimento de Arte Universitário (MAU). Este movimento, liderado por jovens universitários como Gonzaguinha, Ivan Lins, César Costa Filho, Aldir Blanc e outros, tornou-se um ponto de encontro para discussões e práticas artísticas. A casa de Miranda, onde se reuniam às sextas-feiras, recebeu vários nomes proeminentes da Música Popular Brasileira, incluindo Milton Nascimento, Cartola, Dominguinhos, entre outros.
A qualidade do grupo atraiu um contrato com a Forma/Phillips para os mais destacados: Ivan Lins, Gonzaguinha, Rolando Begonha e César Costa Filho. Sob a gestão de Paulinho Tapajós, eles gravaram discos e participaram do LP “Som Livre Exportação”, que inspirou um programa de TV dirigido por Ivan Lins e Elis Regina. No entanto, a censura política da época ameaçou o programa, levando Gonzaguinha a se posicionar firmemente contra a emissora, o que resultou no fim do programa, mas não sem antes produzir dois LPs de alta qualidade.
Comparativamente, a casa do dr. Aluísio é vista como tão influente quanto as de Nara Leão e Tia Ciata, cada uma representando um estilo distinto da música brasileira.
O texto então se volta para a biografia de Gonzaguinha. Nascido em 22 de setembro de 1945, filho de Odaléia Guedes dos Santos, ele foi criado pelos padrinhos no morro do São Carlos após o falecimento precoce de sua mãe. Influenciado pelo ambiente musical do morro, Gonzaguinha desenvolveu sua paixão pela música, muitas vezes refletindo as dificuldades de sua vida nas letras de suas canções.
É fundamental destacar que, enquanto o texto abrange diversos eventos e figuras da música brasileira, a cronologia e alguns detalhes podem não estar precisamente alinhados com os registros históricos. A narrativa se entrelaça entre a história do MAU, a carreira de Gonzaguinha e o cenário musical brasileiro da época, oferecendo um panorama da influência cultural desses elementos na música do país.
Acreditava na vida
Na alegria de ser
Nas coisas do coração
Nas mãos um muito fazer
Sentava bem lá no alto
Pivete olhando a cidade
Sentindo o cheiro do asfalto
Desceu por necessidade
O Dina
Teu menino desceu o São Carlos
Pegou um sonho e partiu
Pensava que era um guerreiro
Com terras e gente a conquistar
Havia um fogo em seus olhos
Um fogo de não se apagar
Gonzaguinha, aos dezesseis anos, mudou-se para morar com seu pai, mas devido à desaprovação da madrasta, acabou residindo em um colégio interno. Aos dezessete, ingressou na Faculdade de Ciências Econômicas Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. As experiências vividas nas ladeiras do morro do São Carlos foram fundamentais em sua formação, ensinando-lhe sobre a dura realidade da vida nas margens da sociedade. Ele sofreu um acidente na infância que resultou na perda de 80% da visão do olho esquerdo, uma consequência de suas aventuras no morro. Essas vivências moldaram seu caminho para a militância política por meio da música, levando-o a transcender as dificuldades e abraçar o mundo com sua arte, sem esquecer suas raízes.
Um momento decisivo em sua carreira ocorreu em fevereiro de 1973, quando Gonzaguinha se apresentou no programa Flávio Cavalcanti, interpretando “Comportamento Geral”. Sua performance e a letra da música levaram os jurados a acusá-lo de terrorismo, e ele recebeu uma advertência da censura no dia seguinte. No entanto, essa controvérsia impulsionou sua música e sua carreira, gerando uma grande popularidade. Esta fase da vida de Gonzaguinha reflete sua coragem e determinação em expressar a realidade social e política do Brasil através de sua arte, mesmo enfrentando desafios significativos.
Eis um trecho da música:
Você deve notar que não tem mais tutu
E dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
E dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
E dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
E esquecer que está desempregado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, Seu Zé
Se acabarem teu carnaval?
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
A letra de “Comportamento geral” de Gonzaguinha, referida no texto, é uma obra atemporal que critica a desigualdade social e a hipocrisia dos padrões sociais estabelecidos. A canção é permeada por uma ironia inteligente e mordaz, refletindo sobre a perpetuação de uma estrutura social que beneficia uns em detrimento de outros. A música sugere que esses padrões são mantidos por aqueles que exploram a sociedade de diversas maneiras, questionando a legitimidade e a justiça desses padrões.
Além disso, a letra aborda a influência das religiões na sociedade, sugerindo que elas impõem uma mentalidade de gratidão constante, mesmo em situações de extrema dificuldade e injustiça. Essa crítica se estende à ideia de que as pessoas devem se contentar com o mínimo, enquanto perpetuam uma gratidão desproporcional às suas condições de vida. O eu-lírico da canção reflete sobre a continuidade das injustiças sociais no Brasil, mesmo com a ascensão de governos de esquerda, que prometiam melhorias na qualidade de vida. A música expressa ceticismo quanto a mudanças reais, destacando que, apesar das promessas políticas, as desigualdades persistem.
Em “Recado”, outra canção de Gonzaguinha lançada em 1978, ele utiliza o humor para criticar a censura da época, demonstrando sua habilidade em abordar temas políticos e sociais com perspicácia e uma abordagem direta. Estas canções de Gonzaguinha continuam relevantes, pois abordam questões sociais e políticas que permanecem atuais e desafiadoras na sociedade brasileira.
Se me der um beijo eu gosto
Se me der um tapa eu brigo
Se me der um grito não calo
Se mandar calar mais eu falo
Mas se me der a mão
Claro, aperto
Se for franco
Direto e aberto
Tô contigo amigo e não abro
Vamos ver o diabo de perto
Mas preste bem atenção, seu moço
Não engulo a fruta e o caroço
Minha vida é tutano é osso
Liberdade virou prisão
Se é mordeu e recebeu
Se é suor só o meu e o teu
Verbo eu pra mim já morreu
Quem mandava em mim nem nasceu
Gonzaguinha foi um artista reconhecido por suas melodias bem elaboradas e letras profundas. Em sua obra, ele frequentemente homenageava aqueles que lutaram contra a ditadura militar no Brasil, utilizando sua música como um meio de expressar resistência e memória histórica. Ele tinha o talento de entrelaçar nomes e referências em suas letras, de maneira sutil e impactante, para comunicar suas mensagens.
Um exemplo emblemático dessa habilidade é a canção “Pequena memória para um tempo sem memória”. Essa música serve como um tributo aos que resistiram e lutaram durante os anos da ditadura, um período marcado por repressão e censura. O título da canção por si só é significativo, sugerindo um esforço para preservar as memórias de um tempo que muitos prefeririam esquecer. As letras de Gonzaguinha nessa música, como em muitas outras, não apenas homenageiam os heróis da resistência, mas também convidam à reflexão sobre a importância de recordar e aprender com o passado.
Memória de um tempo
Onde lutar por seu direito
É um defeito que mata
São tantas lutas inglórias
São histórias que a história
Qualquer dia contará
De obscuros personagens
As passagens, as coragens
São sementes espalhadas nesse chão
De Juvenais e de Raimundos
Tantos Júlios de Santana
Nessa crença num enorme coração
Dos humilhados e ofendidos
Explorados e oprimidos
Que tentaram encontrar a solução
São cruzes sem nomes, sem corpos, sem datas
Memória de um tempo
Onde lutar por seu direito
É um defeito que mata
A música de Gonzaguinha, especialmente a canção “Pequena memória para um tempo sem memória”, é um exemplo poderoso de sua abordagem crítica e reflexiva. Composta em 1973, durante a ditadura militar no Brasil, essa música não apenas denunciava as atrocidades do regime, como também prestava homenagem aos cerca de 500 brasileiros que “desapareceram” em meio a torturas, homicídios e suicídios forçados. Gonzaguinha, com coragem e patriotismo, utilizou sua arte para reverenciar aqueles que lutaram pela liberdade e justiça, mesmo sob intensa repressão.
A relevância dessa música estende-se até os dias de hoje, refletindo sobre temas como respeito, justiça social e direitos de cidadania. Ela destaca a importância de valores intrínsecos a uma comunidade e critica a vergonha e o patetismo de desrespeitá-los. Gonzaguinha, por meio de suas letras, mostra que a luta por direitos e liberdades é um tema atemporal, transcendo ideologias políticas de direita ou esquerda.
A referência à Cuba (“ilha de Fidel”) serve como um exemplo de como governos de esquerda, embora inicialmente defendidos por muitos, também podem recorrer a práticas autoritárias contra seus opositores, ilustrando a complexidade e os desafios na busca por um sistema político justo e equitativo.
Além das críticas sociais e políticas, a obra de Gonzaguinha é repleta de versos que promovem a autorreflexão. Suas letras muitas vezes tocam em questões universais da condição humana, convidando o ouvinte a refletir sobre sua própria vida, escolhas e o mundo ao seu redor. Essa capacidade de conectar o pessoal com o político, o íntimo com o social, torna sua música profundamente relevante e ressonante para diversas gerações.
E é como se então de repente eu chegasse
Ao fundo do fim
De volta ao começo
De volta ao começo…
Em tese, precisamos chegar ao fundo do fim, depois de termos filtrado tudo aquilo que nos marcou e influenciou em nossa formação, para que possamos voltar ao começo e, começar tudo outra vez…
Interessante que ele começa esse poema evocando uma metáfora popular, nada erudita, “menina dos olhos”, sem, no entanto, perder a erudição de seus versos quando observamos o todo:
E o menino com o brilho do sol
Na menina dos olhos
Sorri e estende a mão
Entregando o seu coração
E eu entrego o meu coração
E eu entro na roda
E canto as antigas cantigas
De amigo irmão
As canções de amanhecer
Lumiar e escuridão
E é como se eu despertasse de um sonho
Que não me deixou viver
E a vida explodisse em meu peito
Com as cores que eu não sonhei
E é como se eu descobrisse que a força
Esteve o tempo todo em mim
E é como se então de repente eu chegasse
Ao fundo do fim
A canção “O que é, o que é? (Viver e não ter a vergonha de ser feliz)” é, sem dúvida, uma das mais emblemáticas e comercialmente bem-sucedidas obras de Gonzaguinha. Tornou-se um clássico da Música Popular Brasileira, atravessando gerações com sua mensagem otimista e universal.
Essa música destaca a importância de abraçar a felicidade e viver a vida plenamente, apesar dos desafios e problemas persistentes na sociedade. Gonzaguinha, através desta letra, convida as pessoas a celebrarem a vida e a alegria de viver, sem se envergonhar de buscar a felicidade, mesmo em meio a dificuldades. Ele enfatiza que a responsabilidade pela construção de uma vida plena e feliz recai sobre cada indivíduo, ressoando com a ideia de que somos nós que moldamos nossa existência, seja como der, puder ou quiser.
A canção se tornou um hino de positividade e resiliência, lembrando que, apesar das adversidades, o desejo de viver com saúde, sorte e alegria é um aspecto fundamental da experiência humana. “O que é, o que é?” celebra essa busca pela felicidade e pela realização pessoal, enfatizando a importância de viver a vida sem receios ou vergonhas, e ressoa profundamente com muitos que enfrentam desafios, mas ainda assim escolhem abraçar a vida com esperança e alegria.
O que é, o que é?
Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita
No gogó!
Viver
E não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser
Um eterno aprendiz
Ah meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser
Bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita
Viver
E não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser
Um eterno aprendiz
Ah meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser
Bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita
A canção “Palavras” de Gonzaguinha é outro exemplo da habilidade do artista em criar obras de grande impacto emocional e reflexivo, mesmo com uma estrutura aparentemente simples. Esta música, caracterizada por seus acordes descomplicados e uma letra concisa, carrega uma profundidade e intensidade expressiva notáveis.
“Palavras” aborda a temática da espera por promessas não cumpridas, um sentimento comum a muitas pessoas que se veem confrontadas com expectativas frustradas, seja no âmbito pessoal, social ou político. Gonzaguinha, através desta canção, reflete sobre a resiliência e a cordialidade com que as pessoas continuam a levar suas vidas, apesar de não estarem satisfeitas com o “estado de coisas” presente.
A música ressoa com aqueles que, mesmo diante de desapontamentos e desilusões, persistem em sua jornada com dignidade e esperança. A força de “Palavras” reside na capacidade de Gonzaguinha de capturar uma experiência humana universal — a de esperar e persistir — e transformá-la em uma expressão artística que tanto consola quanto inspira. Assim, a canção não apenas reflete a realidade de muitos, mas também oferece uma perspectiva de aceitação e contínua busca por um futuro melhor.
Palavras, palavras, palavras
Eu já não aguento mais
Palavras, palavras, palavras
Você só fala, promete e nada faz
Palavras, palavras, palavras
Desde quando sorrir é ser feliz?
Cantar nunca foi só de alegria
Com tempo ruim
Todo mundo também dá bom dia!
Cantar nunca foi só de alegria
Com tempo ruim
todo mundo também dá bom dia!
“Guerreiro menino” (Um Homem Também Chora) é mais uma obra significativa no repertório de Gonzaguinha, destacando-se como uma expressiva ode às inquietações e experiências masculinas. Esta música abrange uma ampla gama de temas relativos à experiência de ser homem, desde as demandas do trabalho e a vida mecanizada até os sonhos e a inevitabilidade da morte. A canção é uma reflexão sensível sobre a condição humana masculina, desafiando estereótipos e demonstrando uma compreensão profunda dos sentimentos e lutas enfrentados por homens em diferentes estágios da vida.
A colaboração inicialmente planejada entre Gonzaguinha e Fagner para esta música é um detalhe interessante em sua história. A intenção era trabalhar juntos nas harmonias e melodias, mas Gonzaguinha acabou completando a música por conta própria. A reação do produtor do álbum de Fagner, ao considerar a música “feita nas coxas”, revela uma subestimação da obra que, no entanto, provou ser infundada. “Guerreiro menino” (Um Homem Também Chora) tornou-se não apenas o carro-chefe do LP de Fagner, mas também uma das canções mais reconhecidas e respeitadas de Gonzaguinha.
A música destaca-se pelo seu lirismo e capacidade de tocar temas profundos de uma maneira acessível e emocionante, reforçando o talento de Gonzaguinha como um compositor capaz de criar obras que ressonam com uma ampla audiência, oferecendo perspectivas novas e profundas sobre aspectos da experiência humana.
Um homem também chora
Menina morena
Também deseja colo
Palavras amenas
Precisa de carinho
Precisa de ternura
Precisa de um abraço
Da própria candura
Guerreiros são pessoas
São fortes, são frágeis
Guerreiros são meninos
No fundo do peito
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sonho
Que os tornem perfeitos
É triste ver este homem
Guerreiro menino
Com a barra de seu tempo
Por sobre seus ombros
Eu vejo que ele berra
Eu vejo que ele sangra
Rotular Gonzaguinha como “cantor rancor” pela mídia foi uma visão redutora e injusta de um artista cujo trabalho ia muito além da crítica política. Embora conhecido por sua postura crítica em relação à ditadura militar e sua habilidade em expressar descontentamento e frustração com as injustiças sociais, Gonzaguinha também era um compositor de grande sensibilidade e versatilidade.
Em sua obra, ele explorava uma ampla gama de temas, desde a luta pela liberdade e esperança — muitas vezes adiada ou negada — até o amor em suas diversas formas. O amor abordado por Gonzaguinha não se limitava ao romântico, mas se estendia ao amor pela vida, pelo povo, e até um amor resignado, que reflete aceitação e compreensão das complexidades da existência humana.
Gonzaguinha tinha a capacidade de criar músicas que não apenas expressavam críticas sociais e políticas, mas também celebravam a vida e as emoções humanas em toda a sua complexidade. Ele conseguia capturar a essência da paixão, tanto em seus aspectos mais alegres quanto nos mais desafiadores, e comunicá-la através de suas letras e melodias de maneira que ressoasse profundamente com seu público.
Sua música era um reflexo de sua paixão pela vida e pelo seu país, e essa intensidade emocional era um dos aspectos que faziam de Gonzaguinha um artista tão amado e respeitado. Ele não apenas denunciava as falhas da sociedade, mas também celebrava a beleza e a resiliência do espírito humano, deixando um legado duradouro na música brasileira.
EXPLODE CORAÇÃO
Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder
O que não dá mais pra ocultar e eu não quero mais calar
Já que o brilho desse olhar foi traidor
E entregou o que você tentou conter
O que você não quis desabafar
Chega de temer, chorar, sofrer, sorrir, se dar
E se perder e se achar e tudo aquilo que é viver
Eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim
Como se fosse o sol desvirginando a madrugada
Quero sentir a dor desta manhã
Nascendo, rompendo, tomando
Rasgando, meu corpo e então eu
Chorando e sorrindo, sofrendo, adorando, gritando
Feito louca, alucinada e criança
Eu quero o meu amor se derramando
Não dá mais pra segurar, explode coração
A afirmação de que Gonzaguinha era um “otimista incorrigível” reflete uma faceta importante de sua personalidade e de sua obra. Sua música, repleta de mensagens sobre perseverança, sonhos e a busca incansável por um mundo melhor, evidencia um idealismo profundo. Quando ele incentivava a nunca parar de sonhar, isso ia além de um simples conselho motivacional; era um reflexo de sua visão política e social.
Para Gonzaguinha, sonhar não era apenas uma questão de aspirações pessoais, mas também um imperativo político e social. Ele via os sonhos como um motor de mudança, uma força propulsora que impulsiona as pessoas a superar obstáculos e trabalhar por uma sociedade mais justa e equitativa. A ideia de que “a cada intento alcançado, outro há de ser superado” reflete uma compreensão da luta constante pela justiça social e pelos direitos humanos.
Essa perspectiva otimista, no entanto, não era ingênua ou desatenta às realidades duras da vida. Gonzaguinha estava plenamente ciente dos desafios e adversidades enfrentados, especialmente em um contexto de repressão política e desigualdade social. Seu otimismo era, portanto, uma escolha consciente e um ato de resistência, uma maneira de manter a esperança viva mesmo diante das dificuldades.
Gonzaguinha acreditava que era nossa obrigação lutar por progresso e mudança, e essa crença transparecia em sua música. Ele incentivava as pessoas a sonhar e a trabalhar por esses sonhos, vendo nisso a chave para a construção de um futuro melhor. Esse otimismo e essa determinação em buscar um mundo mais justo são aspectos centrais de seu legado, inspirando gerações a acreditar que a mudança é possível e que cada um tem um papel a desempenhar nesse processo.
NUNCA PARE DE SONHAR
Ontem um menino
Que brincava me falou
Hoje é a semente do amanhã
Para não ter medo
Que este tempo vai passar
Não se desespere, nem pare de sonhar
Nunca se entregue
Nasça sempre com as manhãs
Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar
Fé na vida, fé no homem, fé no que virá
Nós podemos tudo, nós podemos mais
Vamos lá fazer o que será
Ontem um menino
Que brincava me falou
Hoje é a semente do amanhã
Para não ter medo
Que este tempo vai passar
Não se desespere, nem pare de sonhar
Nunca se entregue
Nasça sempre com as manhãs
Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar
Fé na vida, fé no homem, fé no que virá
Nós podemos tudo, nós podemos mais
Vamos lá fazer o que será
A canção “Espere por mim, morena” é uma bela expressão de amor e saudade, características que marcam a obra de Gonzaguinha. A música transmite sentimentos de ternura e desejo de reencontro, capturando o coração dos ouvintes com sua melodia emotiva e letras tocantes.
O verso destacado, “E antes de acontecer o sol, a barra vir quebrar, estarei nos seus braços, para nunca mais voltar”, é particularmente impactante. Ele evoca uma imagem poderosa de um amanhecer promissor, simbolizando novos começos e a esperança de um reencontro apaixonado. A expressão “a barra vir quebrar” pode ser interpretada como o fim das dificuldades ou desafios, sugerindo que, após superar obstáculos, o eu-lírico finalmente encontrará refúgio e paz nos braços de sua amada.
Este verso encapsula a intensidade do desejo de estar com a pessoa amada, a antecipação da alegria desse momento e a promessa de um futuro juntos, onde a separação não será mais uma preocupação. A habilidade de Gonzaguinha em transmitir emoções profundas através de sua música é evidente aqui, onde ele combina palavras e melodias para criar uma experiência que ressoa profundamente com os sentimentos de amor, saudade e esperança.
ESPERE POR MIM, MORENA
Espere por mim, morena,
Espere que eu chego já
O amor por você morena
Faz a saudade me apressar.
Espere por mim, morena,
Espere que eu chego já
O amor por você, morena,
Faz a saudade me apressar.
Tire um sono na rede
Deixa a porta encostada
Que o vento da madrugada
Já me leva pra você.
E antes de acontecer o Sol
A barra vir quebrar
Estarei nos teus braços
Para nunca mais voar.
E nas noites de frio
Serei o teu cobertor,
Quentarei o teu corpo
Com meu calor
Ah, minha santa, te juro
Por Deus Nosso Senhor,
Nunca mais, minha morena,
Vou fugir do teu amor.
Espere por mim, morena,
Espere que eu chego já
O amor por você, morena,
Faz a saudade me apressar.
Espere por mim, morena,
Espere que eu chego já
O amor por você, morena…
A alcunha “cantor rancor” dada a Gonzaguinha, como já mencionado, não faz jus à amplitude e à profundidade de suas obras. Ele foi, de fato, um artista profundamente emocional e expressivo, capaz de capturar a essência da experiência humana em suas canções. Gonzaguinha abraçou a felicidade e a complexidade das emoções humanas, refletindo isso em músicas que se tornaram atemporais no repertório da música brasileira.
A música “Redescobrir”, imortalizada na voz de Elis Regina, é um exemplo sublime do talento de Gonzaguinha como compositor. A interpretação de Elis Regina, com sua voz inconfundível e entrega emocional, ampliou ainda mais o impacto e a beleza dessa canção. “Redescobrir” fala sobre a jornada da vida, enfatizando a constante evolução e as sucessivas descobertas que moldam nossa existência. A canção sugere que a vida não segue um caminho linear, mas sim um ciclo de experiências e aprendizados, como uma “grande ciranda” que nos conduz.
Esta ideia de vida como um ciclo contínuo de redescobertas ressoa com muitos, pois reflete a realidade de que estamos sempre aprendendo, crescendo e mudando. A habilidade de Gonzaguinha em expressar essas verdades universais, juntamente com a interpretação poderosa de Elis Regina, faz de “Redescobrir” uma obra-prima que continua a inspirar e emocionar ouvintes em todo o Brasil e além. A música de Gonzaguinha, portanto, transcende rótulos e categorizações simples, representando uma rica tapeçaria de emoções, reflexões e experiências humanas.
REDESCOBRIR
Como se fora brincadeira de roda
Jogo do trabalho na dança das mãos
O suor dos corpos na canção da vida
O suor da vida no calor de irmãos
Como um animal que sabe da floresta
Redescobrir o sal que está na própria pele
Redescobrir o doce no lamber das línguas
Redescobrir o gosto e o sabor da festa
Pelo simples ato de um mergulho
Ao desconhecido mundo que é o coração
Alcançar aquele universo que sempre se quis
E que se pôs tão longe na imaginação
Vai o bicho homem fruto da semente
Renascer da própria força, própria luz e fé
Entender que tudo é nosso, sempre esteve em nós
Somos a semente, ato, mente e voz
Não tenha medo, meu menino povo
Tudo principia na própria pessoa
Vai como a criança que não teme o tempo
Amor se fazer é tão prazer que é como se fosse dor
Gonzaguinha, além de ser um artista talentoso e um crítico social, também desempenhou um papel importante no âmbito dos direitos autorais e da produção musical independente no Brasil. Sua decisão de fundar o selo próprio “SOMBRAS” e posteriormente “MOLEQUE” representou um marco significativo na indústria musical brasileira, especialmente em relação à luta pela autonomia e direitos dos artistas sobre suas obras.
Ao criar esses selos e dispensar empresários, Gonzaguinha assumiu um controle maior sobre sua música e carreira. Isso não apenas lhe permitiu gerenciar melhor os aspectos financeiros e legais de suas obras, mas também facilitou a difusão de sua música para um público mais amplo. Essas ações refletem o desejo de Gonzaguinha de se conectar diretamente com seus ouvintes e de ter maior liberdade artística em sua produção musical.
A afirmação “não acredito na morte” em relação a Gonzaguinha pode ser interpretada no sentido de que seu legado e sua música continuam vivos, mesmo após sua partida física. A ideia de que as contribuições e obras de uma pessoa permanecem influentes e relevantes após sua morte é uma forma de reconhecer seu impacto duradouro. Neste sentido, Gonzaguinha está, de fato, vivo, pois sua música, suas letras e seu espírito continuam a inspirar, emocionar e influenciar pessoas em todo o mundo.
A presença contínua de Gonzaguinha na música brasileira e no coração de seus fãs é um testemunho de seu talento excepcional e de seu papel significativo na cultura e na história do Brasil. Seu legado transcende o tempo e o espaço, mantendo-o vivo na memória coletiva e na rica herança musical que deixou para as gerações presentes e futuras.