A perfeição irrita, e nem sempre é inveja. É que aquilo que não tem um erro, uma falha mínima que seja, soa falso, superficial. Afinal, nada pode ser perfeito. A vida é feita de altos e baixos e quem está sempre por cima está omitindo ou mentindo, certo? Em “O Melhor Natal de Todos”, de Mary Lambert, o Natal não é tão feliz assim. O título é uma ironia. O enredo gira em torno de duas famílias completamente opostas que se encontram, de maneira supostamente acidental, para as festas de fim de ano.
Os Jennings enviam anualmente um boletim sobre sua família, exaltando os filhos geniais e seus feitos mirabolantes, enquanto ilustra suas atualizações com fotos irritantemente adoráveis. Jackie (Brandy Norwood), aos 40 anos, mantém uma aparência impecável. Casada com o atraente instrutor de lutas Valentino (Matt Cedeña), eles criam seus dois filhos, Daniel e Beatrix (Madison Skye Validum), em uma bela mansão em Hadley Falls. Daniel nunca está em casa, pois está sempre em missões humanitárias, salvando vidas com seus projetos geniais e igualmente generosos. Beatrix é a pessoa mais jovem a ser aceita na Universidade Harvard na história. O sucesso dos Jennings é um lembrete anual para Charlotte Sanders (Heather Graham) de sua inferioridade.
O marido de Charlotte, Rob (Jason Biggs), costumava namorar Jackie na faculdade. Os dois também tinham uma banda juntos. A senhora Jennings, além de tudo, tem a voz de um anjo. Charlotte e Rob também têm dois filhos, Dora (Abby Villasmil) e Grant (Wyatt Hunt), um garoto que conversa com seu macaco de pelúcia. É Grant quem coloca no GPS o endereço dos Jennings, depois que sua mãe diz que gostaria de ir até lá desmascarar a felicidade de Jackie. A viagem que deveria ter sido até a casa da irmã de Charlotte finaliza, acidentalmente, na casa da amiga.
Uma forte nevasca lá fora impede que a família refaça o percurso até seu real destino, para a infelicidade de Charlotte e a empolgação de Jackie, que está feliz em receber visitas para o Natal. A amizade estremecida pela insegurança e ciúmes vai ter seu tempo para despedaçar de vez ou se restabelecer. Charlotte começa a bisbilhotar cada canto da casa para descobrir qual é a grande mentira da vida dos Jennings. Conforme investiga, percebe cada vez mais que pode estar enganada e que eles, realmente, são tudo o que parecem. A proximidade entre Jackie e Rob também aumenta a paranoia de Charlotte, que passa a acreditar que o marido a está traindo.
Aos poucos, a relação de amizade unidimensional entre as duas mulheres vai se aprofundando e tomando camadas. O enredo de Todd Calgi Gallicano e Charles Shyer vai explorando as complexidades das famílias e mostrando que as coisas não são monocromáticas. Pelo contrário, há sempre nuances de cores que não podemos enxergar. O longa-metragem mistura drama e comédia em um filme familiar que pode acabar sendo mais reflexivo que divertido.
Na imprevisibilidade das relações humanas, onde a perfeição é um conceito quase utópico, “O Melhor Natal de Todos” se destaca como um microcosmo de contrastes entre as famílias Jennings e Sanders. A trama não se limita a explorar a superfície aparentemente perfeita das vidas retratadas no boletim anual dos Jennings. Pelo contrário, mergulha nas intricadas relações familiares, revelando que, por trás de cada imagem, há camadas complexas de emoções e verdades ocultas. A nevasca que aprisiona as famílias em uma casa inesperada torna-se uma metáfora da imprevisibilidade da vida, proporcionando um cenário propício para o florescer de amizades, inseguranças e revelações. À medida que os personagens lidam com a desconstrução de estereótipos e a quebra de expectativas, o filme se desdobra como uma obra que transcende o simples entretenimento, convidando o espectador a refletir sobre a verdadeira essência das amizades e a inerente complexidade que as torna autenticamente humanas.
Filme: O Melhor Natal de Todos
Direção: Mary Lambert
Ano: 2023
Gênero: Comédia/Drama
Nota: 8/10